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Joaquim Aguiar 11 de Fevereiro de 2021 às 09:20

Depois da peste

Para que seja um debate sério, terá de se aceitar que nenhuma destas perspectivas, numa sociedade pluralista e num tempo de incerteza radical, é portadora de uma verdade única: em política, ninguém tem razão sozinho.

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A FRASE...

 

"Uma perspectiva progressista consistente exige um debate sério, para que a convergência não se limite a uma negociação orçamental."

Manuel Alegre, Público, 7 de Fevereiro de 2021 

 

A ANÁLISE...

 

Quando se estabeleceu a convergência de aliança parlamentar de apoio do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda ao governo minoritário do PS, depois das eleições legislativas de 2015, não houve um debate sério. Foi um arranjo de conveniência, a partir do convite de Jerónimo de Sousa quando declarou que só não haveria governo se o PS não quisesse, mas com a convergência de todos os interesses que não queriam que a continuação do PSD de Passos Coelho no governo, com o apoio das instituições europeias e do Fundo Monetário Internacional, viesse a denunciar e a penalizar o que tinham sido os erros de governação do PS até 2011. Esta censura do passado prejudicou a correcção dos erros até se chegar ao presente. Uma maioria parlamentar que só serviu para negociar orçamentos ou para sustentar a estabilidade de que o Presidente da República gosta, nem para isso serviu.

 

Ninguém pode saber quando será o fim da peste nem o que restará depois deste tempo de destruição das economias e das relações sociais. Mas ninguém pode acreditar que seja possível uma política progressista distributiva quando não há ricos para distribuírem para os pobres e quando as políticas distributivas só podem transferir dívida. A tradicional luta de classes transforma-se numa primitiva luta entre gerações, em que os benefícios recebidos no presente equivalem a encargos a suportar no futuro.

 

O que a peste vai deixar é um novo campo de possibilidades políticas, no qual a perspectiva progressista, agora sem o recurso das transferências dos ricos para os pobres, terá de competir com as perspectivas liberal (que promove as relações sociais de mercado como modo mais eficiente de enfrentar a mudança das circunstâncias) e conservadora (seja esta pluralista ou autoritária, promove a formação de centros patrimoniais como dispositivos de reconstituição de bases de acumulação de capital que financiem estratégias de crescimento económico e criem emprego sustentado). Para que seja um debate sério, terá de se aceitar que nenhuma destas perspectivas, numa sociedade pluralista e num tempo de incerteza radical, é portadora de uma verdade única: em política, ninguém tem razão sozinho.

 

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

 

Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.

maovisivel@gmail.com

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