A FRASE...

"Uma sociedade sem referências partilhadas, comuns, desagregada, corresponde ao fim do ideal democrático."

Henrique Monteiro, Expresso, 18 de Janeiro de 2020

A ANÁLISE...

Em democracia, ninguém tem razão sozinho. É preciso que muitos acreditem numa proposta para que esta transforme a audiência em eleitorado e este configure as condições para que a proposta possa ser uma política. A transformação da audiência em eleitorado é a condição da legitimidade democrática do poder, com eleitos e eleitores comprometidos com o que propuseram e com o que escolheram. Mas em democracia ninguém tem razão sempre. Seja porque as circunstâncias foram desfavoráveis, seja porque os eleitos foram incompetentes, seja porque o eleitorado mudou de opinião ou de interesses, a democracia serve para afastar os que falham sem ser preciso recorrer à violência. Em democracia, perder eleições não implica renunciar a convicções, porque a passagem do tempo e a evolução da realidade efectiva das coisas irão revelar a distinção essencial entre o possível e a ilusão: quem estiver do lado da realidade assistirá à derrota dos que escolheram a fantasia.

Há um modo eficaz, há muito conhecido, de destruir a democracia. Consiste em utilizar as clivagens políticas, as diferenças de opinião e de interesses, para as amplificar até ao conflito, diabolizando os adversários através da separação entre amigos e inimigos, que impede a aplicação dos procedimentos democráticos porque essa radicalização extrema tem por finalidade última tornar impossível a alternância democrática. Todos os totalitarismos precisam de identificar o inimigo para eternizarem um poder que não admite alternativa.

Há agora um novo modo, menos conhecido mas também eficaz, de destruir a democracia. Consiste em fragmentar a sociedade em tribos de amigos, utilizando os métodos da propaganda amplificados pelas tecnologias das redes sociais, estruturando e mobilizando essas tribos com a invocação do que é designado para a função do inimigo comum, mentindo, com ousadia e desfaçatez, como quem está a dizer a verdade. Conseguem desactivar os procedimentos democráticos, mas não conseguirão vencer a realidade efectiva das coisas, porque nem sequer sabem que a política é a arte de identificar o possível para não seguir a rota da ilusão.

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico 

Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.

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