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14 de Abril de 2020 às 09:20

O equívoco das palavras

Hoje, a União Europeia é a condição para que os Estados europeus e as suas economias possam existir no futuro, apoiados e protegidos por entidades supranacionais que formulem as políticas comuns e as sustentem com a geração e a distribuição dos recursos comuns.

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A FRASE... 

 

"A austeridade não será uma escolha, será um facto."

 

Daniel Bessa, Expresso, 11 de Abril de 2020 

 

A ANÁLISE...

 

A austeridade de agora não é comparável com a austeridade necessária para a correcção dos desequilíbrios, como a do programa de ajustamento de 2011. Uma economia em ajustamento continua a operar, as medidas de correcção têm efeitos graduais e cumulativos, sendo conhecidos os objectivos e o que será o padrão que ficará estabelecido quando o programa de ajustamento terminar. Há resistências e rejeições, procuram-se alternativas, mas esse padrão do futuro funciona como o ponto de atracção – até se chegar ao ponto em que os que antes se opunham serem depois disciplinados executantes dessa estratégia quando chegam ao poder.

 

Hoje, as economias deixaram de operar, estão congeladas pela condicionalidade da distância social que é imposta pela crise sanitária, e assim continuarão até que haja terapêutica ou vacina que neutralize o vírus. Não é uma crise económica de desequilíbrios, é uma interrupção súbita de todos os fluxos económicos e por um tempo ainda indeterminado. A austeridade de agora não tem uma intencionalidade estratégica, é um efeito de uma crise de oferta que provoca de imediato uma crise de procura: a economia congela e deixa de ter dispositivos internos que lhe permitam reajustar-se e recuperar uma trajectória de crescimento. O ponto de atracção passou a ser uma depressão generalizada na economia e o empobrecimento na sociedade.

 

Nenhum Estado nacional na Europa tem recursos e capacidade para responder a este bloqueamento. Mas a União Europeia, com a sua moeda única e o seu banco central, tem os recursos e a capacidade para evitar o congelamento dos fluxos de rendimentos e para conservar o potencial produtivo em condições operacionais para quando a sociedade descongelar. Hoje, a União Europeia é a condição para que os Estados europeus e as suas economias possam existir no futuro, apoiados e protegidos por entidades supranacionais que formulem as políticas comuns e as sustentem com a geração e a distribuição dos recursos comuns.

 

Se a austeridade do futuro não é comparável com a austeridade do passado, também a Europa do futuro não poderá ser a Europa dos Estados (os do Norte e os do Sul, os dos excedentes e os dos défices), e as instituições da União Europeia terão de formular a estratégia da Europa antes de se preocuparem com os equilíbrios de influência e de poderes entre Estados europeus. É necessário evitar o equívoco das palavras: como outras epidemias no passado, o coronavírus muda o campo de possibilidades e o horizonte estratégico, vai mudar o modo de produção nas economias e o estatuto de soberania dos Estados europeus na dimensão política. Não será uma federação (com hierarquia de Estados), mas sim uma união comunitária (com políticas e recursos comuns, coordenadas e monitorizadas por instituições comuns europeias, oferecendo aos Estados europeus o que estes não poderiam ter se permanecessem isolados no espaço da sua soberania).

 

Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.

maovisivel@gmail.com

 

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