Opinião
Os puros e os deploráveis
O país decidiu bem, e deu os avisos certos. Os centros à esquerda e à direita têm uma oportunidade de ouro para se centrarem nos problemas dos eleitores, e não nas suas purezas ideológicas, nas lutas de irmãos e nas lealdades ou não com os atuais líderes.
A FRASE...
"A esquerda teve uma derrota, a direita tem um problema."
Daniel Oliveira, Expresso, 25 de Janeiro de 2021
A ANÁLISE...
Enquanto o país se move para o centro, e para a direita extrema ou extrema-direita, na feliz versão que Paulo Portas usou no seu comentário às presidenciais, nasceu uma profunda interrogação no pensamento e ação à direita, cuja esquerda, de forma inteligente, já se encarregou de condicionar. O atual presidente da Câmara de Lisboa, depois de PS, PSD e CDS se terem congratulado, e bem, com a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa, indicia que a noite eleitoral demonstrava a derrota do PSD, em face das opções do "ciclone" dos Açores, ainda que aquele partido tenha apoiado a candidatura para Presidente de um seu militante.
A história, contudo, dá voltas inesperadas. Muda-se a realidade, ou, melhor, a sua perceção, quando esta não coincide com a teoria, segundo uma máxima leninista. A disputa política, valendo-se do instinto de sobrevivência e a permanente desqualificação do "inimigo" a cada momento, cria os seus puros e impuros, os seus virtuosos e os deploráveis. Nunca sabemos se se estão a referir aos eleitores dos adversários que, num dia de eleições, podem mudar de campo, como se provou. Aquilo que era deplorável para o centro-esquerda e centro-direita, antes da chegada ao poder de António Costa, que era um acordo governamental do PS com a extrema-esquerda, revelou-se agora uma virtude política de estabilidade, ainda que todos os dias seja vacilante. Uma eventual estabilidade vacilante do PSD com o Chega para arranjo governativo seria um pacto com o diabo e um ataque à democracia. É paradoxal que a linguagem lamentável de exclusão étnica do Chega seja usada pelos seus adversários da esquerda e extrema-esquerda numa lógica de exclusão democrática e política.
O país decidiu bem, e deu os avisos certos. Os centros à esquerda e à direita têm uma oportunidade de ouro para se centrarem nos problemas dos eleitores, e não nas suas purezas ideológicas, nas lutas de irmãos e nas lealdades ou não com os atuais líderes. Talvez assim o país se safe desta infindável pandemia e persistente crise económica, moral e política que temos vivido nas últimas décadas.
Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.
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