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08 de Março de 2021 às 20:20

Incompetência pública

Como é que se avança durante tanto tempo com uma hipótese inteiramente dependente de um evento (chumbo por uma câmara municipal) que o decisor último não controlava, como ficou agora inteiramente demonstrado?

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A FRASE...

 

"Lisboa procura novo aeroporto desde 1969."

Rádio Renascença, 8 de Janeiro de 2019

 

A ANÁLISE...

 

Portugal é um país "sui generis" em muitos aspetos. Um deles é o da enorme abundância de cidadãos com opiniões supostamente aprofundadas e maturadas sobre qualquer grande opção de investimento público. Sempre que se fala de uma nova ponte, opções ferroviárias, novas autoestradas, investimentos portuários ou novos aeroportos, surgem vários manifestos, geralmente com os mesmos especialistas multitemáticos, e multiplicam-se os artigos na imprensa regional e nacional de mais um bom número de compatriotas. Apesar de tanto "know-how" de economistas, engenheiros das mais diversas engenharias, ambientalistas, arquitetos, arqueólogos, biólogos e cidadãos mais ou menos indiferenciados, há um projeto que teima em não arrancar, seja qual for a variante apresentada. Trata-se do novo aeroporto de Lisboa, por vezes apresentado na versão mais modesta de segundo aeroporto da capital. 

 

O projeto tem mais de 50 anos e já esteve pensado para Rio Frio, para a Ota, para Alcochete e, nos últimos tempos, para o Montijo. Parece agora que poderá voltar, numa nova viagem, à hipótese Alcochete, embora esta não seja a única pois parece que o Montijo ainda é candidato forte embora em mais do que um formato. Entretanto tem-se investido na infraestrutura da Portela, que ainda terá uma vida útil razoável, não tanto como aeroporto único, mas talvez na versão dos últimos anos, articulando com o Montijo.

 

Este caso, um dos mais longos processos ativos de não decisão que alguma vez encontrei em todo o mundo, tem sido objeto de múltiplas vicissitudes, incluindo as consequências do plano de resgate a que o país se submeteu em função do prévio descalabro financeiro do governo Sócrates. Mas tem havido também muita incompetência. O último episódio é só mais um exemplo disso mesmo: como é que se avança durante tanto tempo com uma hipótese inteiramente dependente de um evento (chumbo por uma câmara municipal) que o decisor último não controlava, como ficou agora inteiramente demonstrado?  O problema existia, o risco esteve sempre lá, mas não se tomaram em tempo as medidas que obviassem a mais este fiasco. Assumiu-se que o pior cenário - na perspetiva do decisor - não se verificaria. Ter fé ajuda muito, mas não na gestão de um processo complexo e tão importante quanto este. Os custos da não decisão, esses, já sabemos quais são.

 

Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.



maovisivel@gmail.com

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