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Opinião
02 de Fevereiro de 2015 às 20:10

Um discurso quase alemão e indicadores quase gregos

A vitória do Syriza com 36,3% dos votos expressos (não contando com o bónus de 50 deputados que o sistema político grego consagra para o partido vencedor) pode ter sido um choque para a Europa dado o seu posicionamento ideológico, mas é revelador da coragem e desespero do povo grego.

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Com efeito, a votação obtida não decorre da sua base eleitoral de apoio mas de uma intenção clara da vontade de mudar o sistema e a governação. Foi a ideia transmitida do "não terem nada a perder".

 

Importa recordar que nos anos 90, na fase preparatória para a selecção dos países que integrariam o primeiro pelotão do euro, os quatro países do Sul da Europa, em especial Portugal e a Grécia, eram olhados pelos restantes países como os parceiros que poderiam atrapalhar a união monetária por serem, tradicionalmente, mais laxistas nas políticas orçamentais e com maior propensão para o clientelismo e a corrupção, por comparação aos países do Norte.

 

Todos recordamos que, ao contrário de Portugal, a Grécia só aderiu ao euro dois anos depois e com alguma tolerância à forma como verificaram os requisitos. Até à crise das dívidas soberanas, os dois países seguiram percursos um pouco diferentes: Portugal entrava no caminho do "bom aluno" após uma situação de défice excessivo (mas com o rácio dívida-produto controlado); a Grécia quase sempre em défice excessivo e com um aumento continuado da sua dívida. O que ainda hoje não se entende, digamos assim, foi o comportamento omisso da Comissão Europeia que deveria ter acompanhado seriamente o caso grego.

 

A crise das dívidas soberanas afectou drasticamente os dois países, obrigando-os ao cumprimento de duríssimos programas de ajustamento em contrapartida do resgate financeiro. Infelizmente, muitos consideram que o nosso país foi um caso de sucesso por ter terminado o programa de ajustamento enquanto a Grécia será um caso quase insolúvel por se encontrar sem capacidade de financiamento nos próximos meses apesar de dois programas de resgate, de um perdão de dívida e de um ajustamento nas maturidades e redução da taxa de juro. Ora, além deste olhar simplista, devemos reter uma diferença abismal, mas também resultados algo próximos entre os dois países.

 

A economia grega sempre apresentou grandes fragilidades a par de um deficiente funcionamento das instituições, de um sistema fiscal que nunca conseguiu uma eficácia financeira, e da ausência de bons sistemas de segurança social e de cuidados de saúde. No caso português, os cortes cegos e alguns dramáticos em termos de despesa foram acompanhados de brutais aumentos de impostos e de privatizações sem estratégia; a protecção social foi fortemente restringida, mas partimos de uma base mais sólida. Na última semana, a vitória do Syriza foi, e bem, explicada pela crise social e humanitária: rendimento "per capita" dos mais baixos da UE, elevado desemprego, emigração, elevada taxa de pobreza (incluindo entre os empregados), dificuldade de acesso a cuidados de saúde, desempregados sem acesso a subsídios. Esta panorama não nos é estranho, pois não? Se olharmos para além do discurso oficial, concluímos que se trata apenas de uma questão de grau.

 

Alexis Tsipas apresentou algumas medidas populistas que não irá conseguir cumprir, confiou as poderosas Forças Armadas ao seu inesperado parceiro de coligação, mas tem o grande mérito de obrigar a Europa a uma discussão política que já deveria ter ocorrido quando se percebeu que as políticas orçamentais contracionistas estavam a lançar toda a Europa no caminho da estagnação e da deflação. 

 

Ninguém pode antecipar a solução que vai ser encontrada já que as posições da Alemanha e da Grécia estão, neste momento, extremadas. Porém, a larga maioria dos gregos não quer sair do euro e existem sinais inequívocos de solidariedade por parte de alguns governos que entendem que não existe só um problema grego, mas um enorme problema europeu.

 

Pode parecer estranha a reacção do primeiro-ministro português: engrossou a voz contra um novo governo democraticamente eleito e quase que defendia a saída da Grécia da Zona Euro. Mas se pensarmos bem é totalmente compreensível: implementou um programa de austeridade além da Troika e nunca deu um mínimo sinal de solidariedade para milhões de cidadãos em dificuldades num país que, infelizmente, governa.

 

Professora universitária (ISEG) e investigadora. Economista 

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