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Manuela Arcanjo - Economista 13 de Julho de 2017 às 19:12

A cultura da tolerância

Além de negligência séria da hierarquia militar, a justificação de falta de recursos financeiros para instalar a videovigilância (pouco mais de 90 mil euros) é uma falácia.

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Já por diversas vezes escrevi sobre a minha intolerância à corrupção, ao uso dos recursos financeiros do Estado para favorecer amigos ou conhecidos e ao exercício de funções públicas/políticas sem o necessário espírito de serviço público. Reconheço que posso irritar uns (por más razões) e aborrecer outros, neste caso porque deveria ter a noção de que a minha "luta" é um caso perdido. Admito que sim, mas continuarei sempre a defender que é possível fazer, ou não fazer, de forma diferente.

 

Vem isto a propósito de três situações distintas que surgiram recentemente: o dramático incêndio da zona de Pedrógão Grande, o extraordinário furto de armamento militar e a mais recente demissão de secretários de Estado.

 

Quase tudo já foi dito e escrito sobre os dois primeiros acontecimentos. Mas, para o tema de hoje importa reter algumas questões que não são de menor importância. Primeira, a parceria público-privada (PPP) que fornece o SIRESP: tendo levantado sérias dúvidas logo no concurso e na celebração do contrato (com a conhecida cláusula que resguarda os privados em situação de emergência!), foi apenas revista para reduzir a despesa do Estado. É uma, entre outras, PPP que podem apenas resultar de incompetência do Estado, mas que também podem revelar a força dos privados (mesmo que seja um grupo falido) sobre o poder político.

 

Em segundo lugar, temos o inexplicável furto em Tancos. Além de negligência séria da hierarquia militar, a justificação de falta de recursos financeiros para instalar a videovigilância (pouco mais de 90 mil euros) é uma falácia. Com base no que tem sido publicado, têm sido celebrados muitos contratos no âmbito da segurança, alguns com as mesmas empresas. Não pretendo suscitar qualquer suspeita sobre os mesmos, mas convenhamos que com a divulgação dos contratos fraudulentos com as cantinas talvez fosse de auditar todos.

 

Por último, uma situação completamente diferente, mas que traduz a ausência de uma linha vermelha. Três secretários de Estado podem ser constituídos arguidos no caso da oferta da Galp aquando do Europeu de futebol. Admitindo que a oferta foi aceite por algum ou todos, não há, obviamente, qualquer situação de corrupção ou de favorecimento, mas tão-só o facto de não ser aceitável que sejam aceites "presentes" de qualquer entidade e muito menos quando existe com a Galp um diferendo fiscal não resolvido. A simpática empresa apenas presenteou uma lista - não divulgada - de individualidades com uma ida a Paris - num valor referido, mas não confirmado de 3 mil euros - para apoiar a seleção portuguesa. Nada mais patriótico. Acontece que o exercício de cargos políticos tem imensos custos não financeiros: profissão, família e saúde. Se um membro de um governo não tem capacidade de pagar com o seu ordenado o tal sonho de Paris, isto também é um custo da função. Tendo consideração pessoal pelos que conheço e reconhecendo a importância de todos para a ação do Governo, só me resta afirmar claramente que esta oferta em concreto nunca poderia ter sido aceite. Mais, considero inaceitável o que alguns comentadores e jornalistas defendem, isto é, "sempre foi assim". Pois foi, mas um dia terá de deixar de ser.

 

Para concluir, o poder político tem de ser exemplar nas suas ações e decisões, sob pena não ter a força ou o poder suficiente para travar as batalhas do combate à corrupção ou de amiguismos na área que tutela.

 

Professora universitária (ISEG) e investigadora. Economista.

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico 

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