Opinião
A corrupçãozinha
Toda a gente anda muito entretida com a forma como a bazuca dos fundos europeus vai ser aplicada, como os dinheiros a fundo perdido
"A ilusão é o primeiro de todos os prazeres"
Oscar Wilde
A corrupçãozinha
Toda a gente anda muito entretida com a forma como a bazuca dos fundos europeus vai ser aplicada, como os dinheiros a fundo perdido vão ser utilizados e com a encenação em torno do dilúvio de dinheiro que aí vem e que esta semana teve um ponto alto com a visita da senhora Ursula von der Leyen a Portugal para benzer António Costa. Curiosa a agenda do primeiro-ministro em termos de propaganda: na semana passada apresentou o plano, nesta semana trouxe a mecenas. Tudo isto é muito bonito, tudo isto é muito interessante, mas restam alguns temas que o Plano de Recuperação Económica não contempla e o Estado ainda menos: medidas eficazes para combater a corrupção, medidas eficazes de fiscalização da aplicação das verbas que forem distribuídas e instrumentos de investigação e punição de eventuais culpados de má utilização do dinheiro.
Mas não conseguem ser tão veementes a combater a corrupção que sabem que acontece em Portugal em várias áreas - da economia, à justiça, à actividade partidária e até, ainda esta semana se viu, a oficiais de alta patente das Forças Armadas. Sem rigor, fiscalização e justiça, vamos ter certamente muitos planos que podem ser imensas oportunidades douradas para muita gente. A corrupção é uma chaga social que marca o país e é responsável por alguns dos maiores problemas que se repetem ao longo dos anos. E isto acontece com a complacência do sistema político que temos: no fundo, o populismo que cresce nasce do comportamento dos dois partidos que alternadamente governam Portugal desde 1976 - o PSD e o PS, e que permitiram o ponto a que se chegou.
Semanada
• Desde o início do ano até Agosto, os hospitais do SNS realizaram menos 12,6% de consultas que no ano passado e menos 22% de cirurgias; entre 2 de Março e 30 de Agosto, houve mais 6.312 óbitos que no período homólogo dos últimos cinco anos e apenas 1.822 foram por covid-19 • o PSD e o PS reduziram os debates parlamentares sobre a União Europeia para dois por semestre, em vez de ocorrerem, como até agora, antes de cada reunião do Conselho Europeu • 63% dos professores do quadro do Ministério da Educação têm mais de 50 anos • faltam funcionários em dois terços das escolas portuguesas e somos o segundo país da OCDE com mais falhas de pessoal não docente • as insolvências de particulares representam cerca de 80% de todos os processos do género decretados pelos tribunais • a taxa de desemprego superou em Agosto a barreira dos 8%; a taxa de poupança das famílias portuguesas saltou de 10,6% nos meses de Abril a Junho de 2019 para 22,6% no mesmo trimestre deste ano • o sector do táxi perdeu entre 70 e 80% das receitas desde o início da pandemia • segundo o estudo TGI da Marktest, dois em cada três portugueses têm máquinas de café com sistema de cápsula; a capacidade de produção de hidrogénio em Portugal quintuplicou no espaço de um ano • só estão a funcionar quatro dos 12 drones, que deviam ter sido entregues à Força Aérea até 4 de Agosto para a vigilância de incêndios florestais e que tiveram um custo total de 4,5 milhões de euros • a Marinha comprou ao mesmo fornecedor um destes aparelhos por um custo cerca de três vezes superior ao pago pela Força Aérea, mas também surgiram problemas técnicos.
Dixit
A corrupção não escolhe alvos e varre todos por igual.
Eduardo Dâmaso
Psicóloga observa um perigoso familiar
Mary L. Trump é uma psicóloga experiente, doutorada em psicologia clínica pelo Derner Institute Of Advanced Psychological Studies. "Demasiado E Nunca Suficiente - Como A Minha Família Criou O Homem Mais Perigoso do Mundo" é o livro que escreveu sobre o seu tio Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos, agora editado em Portugal. No mercado norte-americano, o livro vendeu, logo no primeiro dia, 950 mil exemplares, apesar de Donald Trump ter tentado impedir judicialmente a sua publicação. A autora conta ao pormenor as dinâmicas privadas de uma das famílias mais poderosas, visíveis e disfuncionais do mundo, hoje a habitar a Casa Branca. Recorrendo à sua memória, mas também a documentos legais, extratos bancários, diários privados, correspondência vária e a fotografias, entre outros registos, a autora procura desconstruir o que considera serem as mentiras, deturpações e fabricações que alicerçam a projeção planetária do que classifica como a figura mitómana de Trump. Mary L. Trump, filha de um dos quatro irmãos do Presidente, relata eventos familiares com detalhe, descreve como Donald Trump sempre procurava ser o centro das atenções da família e conta como ele, que foi o filho favorito de Fred Trump, despediu e maltratou o pai quando adoeceu. É um relato duro, que percorre a história da sua família, as ruinosas aventuras empresariais em que Trump se envolveu e a forma como ele procura construir um universo próprio, distante da realidade.
A observação da paisagem
João Queiroz estudou filosofia e ao mesmo tempo começou a descobrir o desenho e a pintura. Tem nestas áreas uma carreira já longa, que data dos anos 1980, está presente em várias colecções, foi prémio EDP de desenho em 2000 e também vencedor, em 2011, do prémio da Associação Internacional dos Críticos de Arte. A sua obra mais recente caracteriza-se por uma abordagem da natureza muito baseada na observação da paisagem. Até 7 de Novembro, tem na Galeria Vera Cortês, em Lisboa, um extenso conjunto de obras inéditas sob o título "Passeio", em que mais uma vez percorre o olhar sobre as paisagens em vários ângulos. É um conjunto de obras, 72 pinturas expostas em vários segmentos (na imagem). No texto que escreveu para a exposição, e que parte de uma citação de Platão, João Queiroz escreve: "Os passeios do filósofo, do poeta, do músico, do cineasta, do pintor, são diferentes, mas compartilham algo de semelhante: uma especial relação com o lugar onde o ofício é privilegiadamente executado. O filósofo passeia no campo com a Ágora na mente, o pintor com o Atelier". Outra sugestão: a exposição "Dissonâncias", que abriu no Museu Nacional de Arte Contemporânea, no Chiado, inclui 85 obras de 45 artistas, dando a conhecer uma seleção das recentes aquisições e doações de artistas e mecenas para o museu. E, para finalizar, a Galeria Miguel Nabinho apresenta "Suite J - A Vida É Um Palco", uma exposição de novos trabalhos de Ana Jotta.
Coisas da política
O ministro dos Negócios Estrangeiros elogiou Marcelo Rebelo de Sousa e o ministro das Infraestruturas respondeu a elogiar Ana Gomes.
Indiscrição do olhar
Pedro Calapez começou a expor no final dos anos 1970 e mantém uma actividade regular, trabalhando com galerias em Portugal e noutros países. A sua obra está presente em importantes colecções institucionais e privadas. "Olhares Indiscretos" é o título da sua nova exposição, patente na Galeria Fernando Santos, no Porto, pelo menos até 19 de Dezembro. É composta por 11 obras datadas deste ano, todas inéditas, na maioria de grandes dimensões, a acrílico sobre tela ou alumínio. Na imagem está um acrílico sobre tela, datado de 2020, com 196x146 cm. Na galeria estão ainda duas obras em papel, de menores dimensões, mostradas numa recente exposição na Fundação Carmona e Costa, e que de certa forma abrem pistas para estes novos trabalhos. E está também patente um pastel sobre papel de grandes dimensões, que esteve numa exposição realizada na Fundação Medeiros e Almeida.
No texto que escreveu para esta exposição, Pedro Calapez sublinha que "provavelmente a apreensão completa do objecto olhado nunca será conseguida, nem pelo seu próprio autor. Em boa verdade, é esta inacessibilidade que confere a liberdade que o objecto artístico intrinsecamente reivindica". E, mais adiante, diz: "Indiscretos seremos, pela intromissão sem maneiras e sem vergonha nas imagens que surgem no nosso caminho. Queremos conhecer e conhecermo-nos. Arrastamo-nos numa inevitável e indefinível solidão."
Ainda no Porto. e no Espaço 531, ligado à Galeria Fernando Santos, Daniela Krtsch expõe "À Procura De Um Outro Continente", um conjunto de trabalhos recentes de dimensões variadas e suportes diferentes em que mistura o desenho e a pintura, num ciclo dedicado a exposições de mulheres artistas e que já teve mostras de Francisca Carvalho e Ana Vidigal, segundo um projecto de Pedro Quintas.
Recital escolar
Em Outubro de 1968, o quarteto de Thelonious Monk fez um concerto no auditório da escola de Palo Alto, na Califórnia. A história é curiosa: foi Danny Scher, um dos alunos da escola, então com 16 anos, e que sonhava promover concertos, que convenceu o agente de Monk a trazer o quarteto até Palo Alto, por um cachê irrisório, e a tocar num anfiteatro de 350 lugares, para que a venda dos bilhetes angariasse fundos para uma iniciativa da escola. Diga-se de passagem, que, mais tarde, Scher veio a ser um importante produtor de espectáculos. Outra curiosidade: um dos porteiros da escola propôs a Scher afinar gratuitamente o piano em que Monk iria tocar, desde que pudesse gravar o concerto. Durante muitos anos, as fitas que tinham uma cópia dessa gravação, e que o porteiro deu a Danny Scher, estiveram esquecidas dentro de uma caixa. Há pouco tempo, Scher descobriu-as, contactou o filho de Monk, que concordou com a sua edição, feita agora pela etiqueta Impulse. O que está no disco são seis temas, com cerca de uma hora de música, num ponto alto da carreira do quarteto: Thelonious Monk no piano, Charlie Rose no saxofone tenor, Larry Gales no baixo e Ben Riley na bateria. O resultado é este álbum "Palo Alto", que permite, à distância de meio século, sentir a enorme energia e criatividade de Monk, numa actuação descontraída, cheia de swing, baseada em alguns dos seus temas clássicos, e que permite perceber a enorme qualidade de todos os músicos e a direcção segura que Thelonious Monk discretamente imprimia. Disponível no Spotify.