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Manuel Castelo Branco - Advogado 17 de Maio de 2013 às 00:01

Profissões reunidas S.A.

Tive a sorte de trabalhar e conhecer reputadíssimas sociedades de advogados em Portugal, e no estrangeiro. Nenhuma delas era, ou pretendia ser, uma sociedade multidisciplinar. Todas me impressionaram de forma inesquecível.

Aconteceu no século passado, no Porto, em finais de Outubro de 1990.


No pavilhão da Exponor decorria o III Congresso dos Advogados Portugueses. Na secção presidida pelo Bastonário Coelho Ribeiro ia votar-se a proposta de conclusões sobre o tema "Sociedade de Advogados" que, na sequência de um amável convite da Bastonária Maria de Jesus Serra Lopes, eu tinha relatado.

Na discussão que antecedeu a votação, alguns colegas suscitaram o tema da "multidisciplinariedade", (tão complexo quanto a dicção) e requereram que a sua admissibilidade fosse votada.

Ao contrário do que supúnhamos na mesa, a votação foi tão renhida que teve que ser repetida e a contagem realizada individualmente.

Por muito poucos votos os advogados reunidos na nossa secção chumbaram "o exercício da profissão de advogado em conjunto com outras profissões" e, por essa razão, a proposta não foi levada ao plenário.

Quase 23 anos depois o tema volta à superfície, desta vez porque a Assembleia da República aprovou no passado dia 10 de Janeiro uma Lei, a 2/2013, reguladora das Associações Públicas Profissionais a qual, no seu artigo 27.º, autoriza (mas não impõe) a constituição de sociedades profissionais multidisciplinares.

Tal como os das outras associações públicas profissionais, o Estatuto da Ordem dos Advogados felizmente tem que ser alterado para se conformar com as disposições imperativas dessa lei, designadamente a eleição por maioria absoluta (e não relativa como até agora!) do seu Presidente e Bastonário e a redução do período de estágio para 18 meses.

Aproveitando a oportunidade da alteração e a porta entreaberta pela nova Lei, alguns advogados ressuscitaram o tema da multidisciplinariedade e, como os advogados estão em período pré-eleitoral do seu Presidente e Bastonário, a discussão alargou-se.

Neste caso, pelo menos, não há o risco de haver três opiniões: ou se é a favor, ou se é contra.

Com excepção, talvez, dos juristas, pouca gente sabe que há um artigo na Constituição (o art.208º) que estipula que "a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da Justiça".

A profissão de advogado está amplamente regulamentada por um Estatuto com 206 artigos e por 8 diplomas adicionais que regulam desde a dispensa de segredo profissional ao regime privativo de previdência, passando pelo estatuto disciplinar, pelas sociedades de advogados e pela definição dos actos próprios dos advogados.

Os advogados estão legalmente vinculados a deveres para com a comunidade, os clientes, a sua própria ordem e os seus colegas, obrigados a segredo profissional, impedidos de discutir publicamente questões profissionais, limitados na publicidade das suas actividades e vinculados a regras especiais em matéria de conflitos de interesse e de participação em resultados ("success fee").

Enfim, um conjunto de regras que decorrem da natureza de uma profissão "indispensável à administração da justiça", algumas das quais (conflito de interesses e "success fee") que bem podiam ser impostas a outras actividades profissionais!

Há mesmo um artigo no Estatuto da Ordem (o 84º ) que, a propósito da independência do advogado, reza assim: "O advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros".

Conheci, e conheço, muitíssimos advogados que seguem este artigo à letra. Todos sem excepção foram, ou são, grandes advogados!

Uma vez que já é legalmente possível, será aconselhável alterar o estatuto da Ordem dos Advogados e permitir que os advogados exerçam a sua profissão conjuntamente com outros profissionais? Advogados com auditores, ou gestores, ou engenheiros, ou revisores oficias de contas? Ou todos juntos, numa espécie de "One Shopp de Profissões Reunidas, SA "?

Será que o dever de sigilo do advogado é compaginável, numa mesma sociedade profissional, com o dever de informação de um auditor ou revisor de contas? Será que um advogado que seja eventualmente suspenso ou expulso pela justiça disciplinar da sua Ordem, pode arrumar a toga e continuar na sociedade multidisciplinar a outro qualquer título? Será que o dever de independência do advogado pode conviver com a natureza subordinada de outras profissões?

Quantas "Chinese Walls" se irão agora inventar para disfarçar, ou atenuar, os riscos de conflito de interesses? E será que o advogado, em reunião de sócios da hipotética multidisciplinar, conseguirá impor aos seus sócios, não advogados, a proibição da quota litis?

É normal que alguns advogados pensem que a multidisciplinariedade lhes trará clientela acrescida , pois a capacidade de angariação e fixação de clientes parece teoricamente maior. Mas os clientes são mesmo atraídos por uma sociedade profissional indefinida e especialista de coisa nenhuma?

No quarto crescente e na lua cheia da minha vida profissional dediquei o tempo que me sobrou da prática de advocacia a construir uma sociedade de advogados e a estudar dezenas de outras experiências.

Nessa experiência avassaladora tive a sorte de trabalhar e conhecer reputadíssimas sociedades de advogados em Portugal, e no estrangeiro. Nenhuma delas era, ou pretendia ser, uma sociedade multidisciplinar. Todas me impressionaram de forma inesquecível.

Conheci algumas (poucas) sociedades multidisciplinares que ofereciam também serviços de advocacia. Não fixei o nome de qualquer uma delas.

Advogado

mcb@mcb.com.pt

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