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Manuel Castelo Branco - Advogado 21 de Junho de 2013 às 00:01

O risco de uma "Ordem Nova"

Pessoas em modo de sobrevivência e com filhos mal alimentados só por milagre conseguem cumprir os 10 Mandamentos. E costumam ser os primeiros a saudar uma ordem nova.

Em Março de 1926, ainda com 19 anos, dois estudantes da Faculdade de Direito de Coimbra editaram o primeiro exemplar de uma revista que se chamava "Ordem Nova".


Um desses estudantes era Marcello Caetano, Primeiro-ministro de Portugal, de 27 de Setembro de 1968 e 25 de Abril de 1974.

Durante os curtos anos da "primavera marcelista", pessoas como Sá Carneiro, Francisco Balsemão, Miller Guerra, Pinto Leite ainda pensaram que seria possível realizar a descolonização pacífica das "províncias Ultramarinas" (para sossego dos ignorados, cansados e mal pagos militares que acabariam por fazer o "25 de Abril") iniciar o processo de liberalização do sistema político português. Mas por muitas razões Marcello Caetano foi incapaz de impulsionar e liderar esse movimento.

Marcello Caetano foi, contudo, um grande professor de Direito que, para azar dele e meu, não tive a oportunidade de ouvir nas aulas da Faculdade de Direito de Lisboa. Estudei pelos seus manuais de Direito Constitucional e Direito Administrativo e, apesar das discordâncias de fundo que nós alunos pudéssemos ter quanto à substância de muitas das suas teses, todos admirávamos a clareza com que escrevia e a sua dedicação à docência.

O outro estudante e co-editor era o seu amigo Albano de Magalhães. Licenciou-se em Direito mas ganhou a vida como empresário e industrial. Gastou-a, literalmente, com os seus 14 filhos e com os seus amores de estimação: a cidade do Porto, a vila de Resende, a agricultura no Douro e Vila Pery (agora Chimoio) em Moçambique.

Estes "jovens", dois meses antes do Golpe militar que instituiu o Estado Novo e trouxe Salazar da cátedra de Finanças de Coimbra para a sua longa, conservadora e absolutista governação de 40 anos, anunciavam a toda a largura da primeira página da primeira edição dessa revista que ela era: "anti-moderna, anti-liberal, anti-democrática, anti-burguesa e anti-bolchevista " além de "contra-revolucionária; reaccionária; católica, apostólica e romana; intolerante e intransigente; insolidária com escritores, jornalistas e quaisquer profissionais das letras, das artes e da imprensa"!

Hitler só proferiria o seu discurso sobre a "Neueordung" 4 anos depois na Universidade de Erlangen, mas tinha já publicado o "meinkampf" em 1926.

Em Itália o Fascismo de Mussolini estava instalado e era sistema político e de governo desde 1922.

Na pág. 39 dessa revista de 1926, em artigo não assinado, foi escrito (com a ortografia de então) o seguinte:

"É tristíssimo o conceito que hoje se faz de Portugal no estrangeiro. Nada de insultuoso nos poupam – desde o "portugalizar ", aplicado a desordem, a anarquia e a corrupção até à desdenhosa condição a que nos reduzem de "quantité négligeable" e de "curiosité historique…"

No último número da Revue Universelle lêem-se, num artigo de Marcel Chaminade, as seguintes linhas que nos fariam corar de vergonha se não estivéssemos já acostumados a estas amabilidades dos nossos camaradas franceses:

"La France plie. Se couchera-t-elle pour mourir? Deviendra-t-elle un petit pays surveillé, entravé, protégé ou controlé, une curiosité historique, quelque chose comme Le Portugal?"

Repelimos a afronta! Mas reconhecemos também a necessidade de repelir para bem longe de nós os que, cá dentro, dão motivos para conceitos destes e mais a sua brilhante diplomacia.

7 anos antes Keynes, depois de não ter conseguido convencer os Aliados a suavizar as condições humilhantes impostas à derrotada Alemanha no tratado de Versalhes, desabafou: "a batalha pela paz está perdida". E de facto apareceu Hitler, a sua Ordem Nova e a tragédia da 2ª Guerra Mundial!

É claro que o Portugal de 2013 tem poucas semelhanças com a desordem da I República, que os militares portugueses, embora descontentes, não são obrigados a sacrifícios pessoais e familiares extremos por causas perdidas e que na Europa não existem, por enquanto, líderes ou movimentos políticos influentes que estimulem loucuras antidemocráticas.

Mas na Suécia, na Espanha, na Grécia, em França, em Inglaterra, na Turquia e, agora, no Brasil surgem protestos aparentemente espontâneos que são a face visível do desconforto e da insatisfação.

Em Portugal, descontados alguns membros do Governo, não consigo ler ou ouvir alguém, grande ou pequenino, que não esteja preocupado com o futuro e perplexo com o presente.

A economia não arranca porque não há dinheiro, nem confiança das pessoas.

Com excepção daqueles que vendem para o estrangeiro, poucos conseguem arranjar fregueses que aguentem sequer os custos de exploração dos seus negócios moribundos.

Há desemprego a mais e, pior que isso, demasiadas famílias em que já não resta um único empregado.

Os subsídios de desemprego estão a chegar ao fim e não existem ofertas de emprego que providenciem salários a quem vai ficar sem rendimento.

Pessoas em modo de sobrevivência e com filhos mal alimentados só por milagre conseguem cumprir os 10 Mandamentos. E costumam ser os primeiros a saudar uma ordem nova.

A política económica que o Norte ditou para o Sul da Europa é, neste momento, a grande ameaça à democracia.

Advogado

mcb@mcb.com.pt

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