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O mundo aos quadradinhos

O Donald da minha infância era um pato de ideias simples, sem inquietações existenciais, sem utopias nem complexos visíveis.

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Era o herdeiro não declarado de um velho rico e avarento, o Tio Patinhas, o namorado sem ponta de libido de uma engraçada e esperta Margarida, o companheiro de um simplório Pateta, o primo de um aventureiro sortudo chamado Gastão e o tio de uns patinhos bem-comportados, escuteiros de manual e promotores do bem - o Huguinho, o Zezinho e o Luizinho. A América de hoje está de regresso à América de Walt Disney. Os leitores de Tintim já o perceberam, os de Corto Maltese ainda não.

 

Walt Disney não desdenharia de uma personagem como Trump para o seu rol de cromos. Para o bem e para o mal, o novo Presidente dos Estados Unidos não é homem de discursos redondos, literariamente bem construídos, repletos de intenções universalistas. Donald fala simples e dispara rápido, à boa maneira da terra da iniciativa e das oportunidades. A vertigem decretalista dos primeiros dias após a tomada de posse não é só um assomo revanchista em relação às políticas de Obama, é sobretudo uma manifestação de poder e de querer perante a América e o mundo.

 

Habituemo-nos, pois, ao estilo e às concepções simplistas do novo inquilino da Casa Branca. Em pouco mais de uma semana, desmantelou o Obamacare, rasgou o Tratado de Associação Transpacífico (TAT), denunciou a NAFTA, iniciou a mudança da embaixada estado-unidense em Israel para Jerusalém, decretou a construção do muro com o México, retomou os velhos projectos de oleodutos e espoletou, sob a ameaça de sanções fiscais, um processo de reversão dos investimentos das empresas manufactureiras em países terceiros. Um sufoco, de consequências imprevisíveis para os débeis equilíbrios geoestratégicos do planeta.

 

Certo é que a pulsão proteccionista recrudescerá e que os grandes beneficiários da deslocalização industrial das últimas décadas, quer no continente americano quer no asiático, se poderão ver em maus lençóis. Paradoxalmente, a China poderá sair beneficiada por esta política. O Império do Meio é o principal tomador de dívida norte-americana, detém o maior PIB industrial do mundo e um mercado interno avassalador. Além disso, é uma potência nuclear e exerce uma influência decisiva em todo o Oriente. Falhando o TAT, os chineses irão promover a Parceria Abrangente Económica Regional (RCEP, na sigla em inglês), que exclui os Estados Unidos e cria uma área de livre comércio de 16 países, incluindo a Índia, sem as restrições laborais e ambientalistas do TAT. Será o maior bloco comercial do planeta, abrangendo cerca de 3.500 milhões de pessoas.

 

De permeio, estarão a Rússia e a Europa, com as quais Trump ainda não sabe muito bem o que fazer. Aparentemente, não se importará de ver a Rússia alargar o seu espaço de influência no Médio Oriente, na Ásia Central e mesmo na Europa de Leste, porque isso cola com o seu objectivo de reduzir a presença (e os gastos) dos Estados Unidos na NATO. Quanto à União Europeia, quer vê-la aos quadradinhos, porque é essa a sua leitura preferida.

 

Figura do mês: Fernando Medina

 

A dose diária de impropérios proferidos pelos automobilistas terá certamente decuplicado durante o período das "obras de Medina". Dispararam as críticas dos utilizadores das grandes artérias de Lisboa, taxistas à cabeça, enquanto os residentes encolhiam os ombros à espera do resultado final. Ei-lo (parcialmente) chegado.

 

Sem prejuízos consideráveis para a circulação rodoviária, as Avenidas Novas, o Saldanha e o eixo ribeirinho ganharam qualidade, proporcionando novos espaços para os peões, ciclovias e estabelecimentos comerciais. Resta esperar pelo crescimento das árvores.

 

Em vez de simples arranjos, assistimos ao desenvolvimento de um conceito de cidade mais moderno, porque mais próximo dos cidadãos, colocando a fruição do espaço público e a circulação pedonal em primeiro lugar. É mais difícil utilizar carro próprio em Lisboa? Sim, mas esse é um dos objectivos de todas as capitais europeias. Por cá, só faltam os transportes públicos.

 

Número do mês: 233 mil milhões USD

 

É o valor que a Jane´s, publicação especializada em assuntos de segurança, prevê que a China venha a gastar em 2020 na área militar. O número compara com os 123 mil milhões de dólares despendidos em 2010, ou seja, um previsível aumento de 90 por cento numa década.

Apesar de ainda se encontrar a uma boa distância dos Estados Unidos, primeira potência militar do planeta, a China tem vindo aceleradamente a reduzir o handicap tecnológico que a separa das principais potências nucleares e a modernizar o seu dispositivo bélico, por forma a melhor poder enfrentar os conflitos regionais de hoje e, talvez, os globais do amanhã. O progressivo fortalecimento técnico da Marinha chinesa - em capacidade de intervenção rápida e poder de fogo - tem sido acompanhado de uma consistente expansão dos seus sistemas de defesa, em especial no Mar da China, onde as escaramuças militares (não reportadas) são cada vez mais frequentes. Taiwan que se cuide.

 

Economista; Professor do ISEG/ULisboa 

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