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Mandelas

Imagino que existam no mundo muitos Mandelas potenciais. São eles que deviam ter apoio e incentivo. A sociedade só evoluirá positivamente quando se tornarem a maioria, deixando isolados os facínoras

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No enterro de Mandela estiveram democratas, defensores dos direitos humanos, resistentes. Estiveram ditadores, opressores, hipócritas. Esteve também presente, em massa, o povo, não só o povo da sua terra, mas o povo do planeta. Essa amálgama, de bons, maus e oportunistas, que é na verdade aquilo de que se faz o mundo, não tirou brilho ao evento. Pelo contrário, confirmou a qualidade excecional do homenageado.

Mas, em boa verdade, porque é Nelson Mandela tão excecional? Afinal, foi simplesmente um homem simples. Não enganou o povo, não procurou enriquecimento pessoal, não usou o poder para perseguir os seus adversários, nem se eternizou nele. Pelo contrário, soube sair a tempo, e bem, num gesto invulgar.

É isto assim tão extraordinário? Infelizmente é. A política e o exercício do poder são hoje, em todo o mundo, ocupados por homens e mulheres sem escrúpulos, mentirosos, manipuladores, quando não verdadeiros bandidos, que arrebanham a riqueza dos respetivos países, servem interesses de toda a ordem, sobretudo os económicos, e sempre que necessário oprimem os seus próprios povos. Esta é a norma.

Isto sucede porque a sociedade evoluiu no sentido da complexidade, como não podia deixar de ser, mas sem garantir ao mesmo tempo algumas regras base de comportamento como sejam a honestidade, a transparência, o sentido de serviço público, a procura de bem-estar e de felicidade. Desprezando a ética pública, que alguns e bem chamam republicana, instalou-se um vale tudo numa competição tão impiedosa quanto escabrosa. A conquista do poder assenta hoje num constante golpismo, no uso abusivo dos meios sociais, a começar pela comunicação e pelas tecnologias, numa teia opaca de alianças que gera corrupção e adulteração do interesse geral.

Os estadistas deixaram de servir o povo que os elege mas sim o partido, o financiador, o aliado de ocasião, o oportunista, o compadre e, claro está, a própria conta bancária. Cada vez menos se vai para a política por vocação ou para defender causas e mais como modo de vida. Não é preciso ir muito longe para se constatar esta realidade. As notícias são fartas. Mesmo nas democracias ditas avançadas a corrupção, sob as suas várias formas, predomina.

Mandela foi um homem normal num mundo de anormais. A excecionalidade é essa. E é dramática. Pois não só torna a vida das pessoas comuns infernal, como está na origem do descrédito popular, das elevadas taxas de abstenção e num afastamento progressivo de uma atividade que devia ser nobre e se tornou repugnante.

Acresce que de nada servem os elogios de ocasião, proferidos por praticamente todos os homens de poder que voaram até à África do Sul, se os mesmos não implicarem uma radical mudança no futuro. E reforço a palavra radical. Porque não bastam as pequenas operações de cosmética, ouvir o povo, fazer festas às crianças ou permitir o acesso na Internet a meia dúzia de documentos. A política tem de mudar, o comportamento dos políticos tem de mudar. A conduta de Mandela é, sobretudo nesse plano, extremamente significativa. A generalidade das pessoas aspira a ter governantes como ele. Homens íntegros dedicados ao bem comum.

Imagino que existam no mundo muitos Mandelas potenciais. São eles que deviam ter apoio e incentivo. A sociedade só evoluirá positivamente quando se tornarem a maioria, deixando isolados os facínoras. O mundo precisa de um sobressalto que exija uma nova classe de dirigentes, que na verdade mais do que governantes todo-poderosos deviam ser vistos como apaziguadores e gestores da coisa pública. Nesse plano Nelson Rolihlahla Mandela, também conhecido como Madiba, serve perfeitamente como exemplo.

Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.

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