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08 de Maio de 2013 às 00:01

Uma coisa bem feita pela Europa

Quer para sérvios quer para kosovares a cenoura era verem abrir-se a porta da Europa e o cacete verem essa porta fechar-se. Mas usar o poder económico da Europa para obter um resultado político não chegaria; era preciso saber-se o que se queria, falar com uma só voz e negociar bem

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Churchill dizia que os Balcãs produzem mais história do que a que são capazes de consumir. A guerra de 14-18 começara a seguir ao assassinato em Sarajevo do herdeiro da coroa imperial austro-húngara por um patriota sérvio. Em 1992, quando os chefes das facções sérvia, croata e muçulmana da Bósnia perceberam que não ia haver outra guerra europeia por causa deles ficaram de monco caído.


Escapámos por um triz, graças à Comunidade Europeia. Mitterand dizia que sem ela as tensões entre a Alemanha (pró-Croácia) e a França (pró-Sérvia) teriam acabado mal. Com ela a violência ficara confinada à ex-Federação Jugoslava, de Eslovénia em 1991, passando por Croácia e Bósnia até Sérvia e Kosovo em 1999.

Brasas de violência continuam debaixo da cinza na Bósnia e, sobretudo, no Kosovo. Em 1999, para parar a limpeza étnica ordenada por Milosevic, a OTAN obrigou a Sérvia a deixar o Kosovo. Este é hoje reconhecido por muitos países, mas não pela Sérvia (nem pela Rússia, cujo veto o exclui da ONU). Belgrado e Pristina desentendiam-se tanto que a questão do Kosovo constituía um perigo permanente para a paz da Europa.

A 19 de Abril as coisas mudaram. Os primeiros-ministros da Sérvia e do Kosovo, patriotas puros e duros, cada um deles visto pelo outro lado como o Diabo em pessoa, chegaram a acordo que melhora a posição dos sérvios do Kosovo sem exigir que a Sérvia reconheça formalmente a independência deste e facilita o caminho para a adesão da Sérvia e do Kosovo à União. Dias depois, o presidente da Sérvia pediu desculpa à Bósnia pelo massacre de 8.000 muçulmanos de Sebrenica por militares sérvios-bósnios em 1995.

Esta mudança radical – não me lembro de queda de tensão assim - deve-se ao talento e à vontade de Lady Catherine Ashton, Alto Representante para a política externa da União Europeia. Mulher, inglesa numa Europa continental, socialista entre governos de direita, pouco se dava por ela, triste na Europa triste, à espera de se ir embora. Mas chamou a si a questão do Kosovo e ouve-se sabiamente. Com chances de sucesso ínfimas, nenhum ministro dos estrangeiros dos 27 quis intervir (nem ela os quis tentar); os americanos – complicadores mores em questões jugoslavas – tampouco meteram o bedelho, talvez graças a Hillary Clinton, compincha de Cathy Ashton. Esta esteve à altura do desafio, ganhando a confiança dos seus dois interlocutores que querem agora que ela supervise a aplicação do acordo. Ashton saudou a coragem deles e sublinhou que a Europa continua a ser um pólo de atracção e um modelo de organização de vida.

Tem razão. Quer para sérvios quer para kosovares a cenoura era verem abrir-se a porta da Europa e o cacete verem essa porta fechar-se. Mas usar o poder económico da Europa para obter um resultado político não chegaria; era preciso saber-se o que se queria, falar com uma só voz e negociar bem. Desde 1991, conseguir tudo isto na ex-Jugoslávia é feito raro, senão único. A Europa não nos dá só desgostos.

Embaixador
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