Opinião
Um novo ar que se respira?
Os problemas continuam: os portugueses estão sujeitos aos sacrifícios impostos por uma impiedosa consolidação das finanças públicas; continuamos expostos aos constrangimentos decorrentes da existência de um "deficit" excessivo.
Nos últimos tempos temos tido algumas mudanças bem significativas que se têm traduzido numa onda de moderado otimismo manifestada nas celebrações do 25 de Abril e culminando no discurso de Marcelo Rebelo de Sousa: o seu dinamismo contagiante; a sua preocupação com a estabilidade a todos os níveis; a incisiva defesa da Constituição da República, a apologia da "descrispação" política e social. E depois, a "geringonça" funciona dando lições de pragmatismo e provas de uma resiliência em que poucos acreditavam. Daí que exista um novo ambiente na sociedade, um novo ar que se respira.
De resto, os problemas continuam: os portugueses estão sujeitos aos sacrifícios impostos por uma impiedosa consolidação das finanças públicas; continuamos expostos aos constrangimentos decorrentes da existência de um "deficit" excessivo; existe externamente uma suspeita generalizada sobre a consistência da nossa solução governativa; o apelo ao compromisso feito pelo PR já foi rejeitado pelo principal partido da oposição; o nosso sistema financeiro a passar de crise em crise ou de escândalo em escândalo sem que seja possível lobrigar uma solução credível e sustentável.
Estamos a entrar num período particularmente sensível: o da execução do OE16 sobre o qual não se têm vindo a atenuar as críticas iniciais: desde as incertezas que recaem sobre o cenário macroeconómico de partida, que pode condicionar receitas e despesas e assim pôr em risco vários equilíbrios fundamentais, até à falta de recursos, capital à frente de todos os outros, que têm marcado a economia nacional nas últimas décadas. Sem capital não pode haver crescimento e sem crescimento todas as tentativas de equilíbrio sustentável se arriscam a soçobrar. Porque o nosso verdadeiro problema, aquele que nos estrangula e pode eliminar todos os esforços, reside em duas variáveis fundamentais e interligadas: a dívida interna e externa, pública e privada mais os seus custos e a escassez de capital - por causa da dívida, potenciais investidores, olham-nos com desconfiança e, sem crescimento, mesmo que sejamos poupadores exemplares, andaremos a pagar a dívida durante muitas décadas sem resolver satisfatoriamente o problema do empobrecimento e do desemprego. Tudo isto é sabido e tudo olimpicamente ignorado. E sobre isso pouco podemos fazer apesar da alternativa das propostas do Governo marcando diferenças para as precedentes; a nossa margem de manobra é reduzida; dependemos da flexibilidade e da boa vontade dos credores; dependemos sobretudo da política que Bruxelas, Frankfurt e Berlim resolverem adotar perante esse travão ao nosso desenvolvimento.
Felizmente não estamos sós. Por razões que nem sempre são as mesmas os problemas do "deficit" e da dívida existem noutros membros da Zona Euro e a Europa podia por uma vez encarar seriamente as questões como um todo, tendo em conta que muitos dos problemas que se põem aos Estados-membros também têm que ver com a forma, talvez precipitada, como o euro foi lançado.
Tenhamos esperança que os sinais dos mercados, a posição da DBRS ao considerar que a dívida pública portuguesa é investimento e, por fim, essa possível flexibilidade do Eurogrupo perante a situação portuguesa justifiquem o aliviar da nossa atitude, alternadamente depressiva ou resignada e nos permitam o luxo de aproveitar aquela ténue onda de otimismo que nos pôs a sorrir no 25 de Abril.
Economista. Professor do ISEG/ULisboa
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