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04 de Março de 2014 às 18:04

A aldeia de Astérix...

O País está melhor? Haverá País sem pessoas? O País será a famosa folha de Excel, onde os números torturados acabam sempre por confessar e dar os resultados pretendidos escondendo os indesejados?

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Existem realidades incontornáveis: uma delas é o capitalismo agora numa das suas fases mais agressivas e imprevisíveis. O capitalismo tem vindo a derrotar todos os sistemas de organização das sociedades que em teoria ou na prática lhe tentaram fazer frente, quer em versões mais ou menos híbridas, quer como variantes do original ou como terceiras vias. Todas falharam: os socialismos cooperativos, o corporativismo contemporâneo, que surgiu entre as duas guerras mundiais, nas diversas formas que foi assumindo na Áustria, na Polónia, em Itália, em  França, na Espanha franquista e no Estado Novo salazarista que vivemos e sofremos mais de perto e, por fim, o comunismo, o mais duradouro, aquele que parecia ser o mais estável e com maiores probabilidades de se bater de igual para igual com a economia de mercado e as sociedades democráticas que normalmente lhe estão associadas. Todas falharam.

 

O Capitalismo, já aqui o referi mais ou menos por estas palavras, deve a sua expansão histórica, o seu desenvolvimento no espaço e no tempo, o seu êxito, a três tipos características e de reacções que desencadeiam de forma mais ou menos generalizada: (i) o fascínio que a sua eficiência exerce sobre as sociedades organizadas; (ii) a eficácia que proporciona em termos de progresso material e dos níveis de bem-estar que proporciona; (iii) o carácter expansionista intrínseco à sua própria natureza - a sua capacidade evolutiva e de adaptação aos mais diferentes ambientes e condições.

 

Goste-se mais ou menos do sistema de mercado é nele que vivemos e é nele que vamos continuar a viver. Por muito que custe a alguns, não existe alternativa. O que se está a passar na China, que só agora começa a sentir as 'dores' do começo, de um país dois sistemas, vai-se transformando cada vez mais, inexoravelmente, num país com um único sistema.

 

Esta introdução vem a propósito do que, em minha opinião, se passa em Portugal. Enquanto não nos convencermos de que vivemos numa economia de mercado, embora encarando-a criticamente, atentos às suas falhas e às manipulações a que é sujeito por organizações poderosas e desonestas, aos seus extremismos e aos seus zeladores extremistas, não vamos conseguir acertar o passo com a sociedade global. Não podemos ser a aldeia de Astérix nem andar quixotescamente a combater moinhos de vento. Somos muito poucos e relativamente pobres. A sair mal de uma quase bancarrota, no quadro de uma política mal preparada, insensatamente aplicada, a austeridade de onde deviam brotar  todas as bem-aventuranças económicas e que afinal - leiam-se algumas passagens dos relatórios das 10.ª e 11.ª avaliações da troika -, se traduziu num fracasso, indisfarçável: o desemprego continua a registar taxas insuportáveis; a depredação fiscal mantém-se; a dívida pública continua a aumentar; o rendimento das famílias reduz-se e as suas carências aumentam dia a dia.

 

Há um ano, Vítor Gaspar percebeu a dimensão desse fracasso e abandonou o Governo; os outros que ficaram com a tarefa de o substituir, aprofundaram-no: o País está melhor, mas as pessoas não... O País está melhor? Haverá País sem pessoas? O País será a famosa folha de Excel, onde os números torturados acabam sempre por confessar e dar os resultados pretendidos escondendo os indesejados?

Quem olha para os gráficos dos relatórios da troika e verifica que se tudo continuar como até aqui, lá para 2030 ainda vamos continuar com uma dívida pública superior a 90% e que, além das falsas promessas eleitoralistas, logo esquecidas, o nosso empobrecimento veio mesmo para ficar, só pode concluir que temos de unir forças e, simultaneamente, contar com o apoio da União Europeia; em alternativa, a pobreza que nos espreita não vai ser aliviada nas próximas décadas. Visto de outra maneira: ou se entende este facto simples e dramático ou uma boa parte da nossa população (a classe média e os jovens) não terá futuro naquela sociedade global, cada vez mais competitiva.

 

Economista. Professor do ISEG/ULisboa

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