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Opinião
17 de Março de 2015 às 19:06

Assad e o Califado Negro

A violência da guerra na Síria vai aumentar a curtíssimo prazo qualquer que seja o desenlace das conversações sobre o programa militar nuclear do Irão.

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O chefe do governo turco, Ahmet Davotuglu, condenou a afirmação do secretário de Estado norte-americano John Kerry de que será inevitável negociar com Bashar al Assad e comparou o sírio a Hitler.

 

A recusa dos neo-islamistas de Ancara em admitirem compromissos com Assad é partilhada pela Arábia Saudita, o Qatar, e, entre europeus, coincide com as posições da Grã-Bretanha, França e Dinamarca.

 

Em Washington predomina, pelo contrário, a ideia de que Assad se transformou num mal menor sendo mais urgente degradar a capacidade militar do Estado Islâmico na Síria e Iraque.

 

À procura da terceira força

 

Limitados ao recurso a bombardeamentos aéreos, os Estados Unidos admitem, contudo, voltar a apostar no treino e armamento de alegados forças moderadas anti-Assad e anti-jihadistas.

 

A viabilidade desses planos confronta-se com o óbice de que só o fornecimento de grandes quantidades de armas, incluindo mísseis anti-aéreos, poderia reforçar significativamente a capacidade militar das escassas forças que sobram do "Exército Livre Sírio". 

 

O treino e pagamento de combatentes, o controlo da distribuição de armas, obrigará a maior presença no terreno de assessores militares e agentes secretos norte-americanos, britânicos e franceses e acarretará pontualmente envolvimento directo em combates.

 

A determinação dos Estados Unidos é, além disso, dúbia depois do fatal ultimato falhado de Obama a Assad no Verão de 2013.    

 

O desvio de armamento para forças indesejáveis é inevitável e dar prioridade ao combate a jihadistas é um seguro de vida para Assad. 

 

Uma intervenção militar estrangeira na Síria ficou fora de questão dado o apoio da Rússia a Assad e por impossibilidade de obter cobertura do Conselho de Segurança após a NATO ter, no entender de grande número de Estados, abusado do pretexto de salvaguarda humanitária da ONU para derrubar o regime de Gadaffi.

 

O caos líbio demonstra, de resto, os riscos de intervenções externas em guerras civis sem aliados precisos e objectivos claros sustentados militarmente e financeiramente.

 

A vantagem do regime

 

O quarto ano de guerra confirmou a capacidade de resistência do regime do "Baath" - congregando sob liderança alauíta as minorias cristãs e druzas e parte significativa dos sunitas - que controla as principais cidades: Aleppo, Damasco, Homs, Hama, Quneitra.

 

Assad, depois de reconhecer aos curdos em 2011 a cidadania síria que lhes havia sido retirada em 1962, cedeu, posteriormente, os enclaves nortenhos de Efrin, Kobane e Iazire.

 

Para uma minoria que representa 10% da população a autonomia de facto das áreas dominadas pelas milícias no Curdistão sírio é uma das conquistas da guerra a ser preservada contra as ameaças jihadistas.

 

O Curdistão iraquiano mais do que foco de atracção independentista para as comunidades curdas do Norte da Síria, Sul da Turquia e Noroeste do Irão, surge presentemente como baluarte de segurança e garante de autonomia.

 

Ao descartar as regiões de maioria curda, apesar de ainda manter as cidades de Hasaka e Qamishli, Assad, recuou ainda noutras províncias no Norte e Leste, privilegiando o combate às milícias islamistas e dando azo, assim, à expansão de grupos jihadistas.

 

O crescente jihadista

 

As querelas entre forças da oposição, onde predominam os islamistas dos "Irmãos Muçulmanos", e o temor das minorias ao sectarismo da maioria sunita (70% da população) contribuíram para inviabilizar alternativas políticas a Assad e levaram ao fracasso da mobilização militar das milícias surgidas das insurreições e revoltas de 2011.

 

Desde 2012 os jihadistas da "Jahabat al Nusra" ("Frente para a Vitória do Povo Sírio"), vinculados à "Al Qaeda" de Ayman al Zawahiri, revelaram-se mais efectivos do que o "Exército Livre Sírio", liderado por oficiais dissidentes do regime, tendo as pugnas entre oposicionistas, facilitado as contra-ofensivas de Assad.

 

Saídos dos combates terroristas e convencionais após a invasão norte-americana do Iraque em 2003, novos grupos jihadistas impuseram-se nas províncias sunitas refractárias ao poder xiita em Bagdade e investiram contra a "Jahabat al Nusra" na Síria.

 

Antigos combatentes da Al Qaeda iraquiana, ex-quadros do "Baath" de Saddam Hussein, mobilizaram-se num culto do martírio, chacina de infiéis e apóstatas, submissão de judeus e cristãos, escravização de pagãos, votos de expansão territorial e combate apocalíptico que redundou na proclamação no Verão de 2014 do Califado por Abu Bakr al-Baghdadi.

 

Os pretextos da guerra

 

O Califado Negro surge como o elemento destabilizador na Síria e Iraque em oposição a todas as potências regionais e estrangeiras e aos poderes étnico-confessionais de sunitas, xiitas, curdos, alauítas da Turquia ao Irão.

 

Assad apresenta-se como um baluarte na luta contra o Califado Negro, mas a sua aliança com o Irão e o "Hizballah" libanês torna-o num alvo por excelência.

 

As monarquias sunitas do Golfo e a Turquia, bem como Israel, Estados temerosos de concessões estratégicas ao Irão, encontram nos campos de batalha da Síria e do Iraque um dos flancos preferenciais para destabilizar a potência xiita.

 

Uma jihad apocalíptica que cedo ou tarde se consumirá numa orgia de violência é, nesse entender, um mal menor ante o risco de ressurgimento da potência persa do Golfo ao Cáspio. 

 

Na hipótese de fracassar um acordo entre Teerão, os membros permanentes do Conselho e a Alemanha, a Síria será igualmente um dos centros de pressão sobre o Irão a privilegiar pelas potências ocidentais.

 

A contestação e subversão de um acordo nuclear, aparentemente na calha,    rapidamente farão escalar a violência na Síria.

 

Jornalista

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