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O grito é a arma dos pais

A principal arma dos pais é o grito, revela o estudo "(In)disciplina na Família". O estudo chama-lhe "metodologia corretiva", mas nós, os pais, sabemos que é, apenas, uma forma de exorcizar a frustração.

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Somos tão queridos, nós os pais. E um bocadinho patéticos, também, convenhamos. Perdidamente apaixonados pelos nossos filhos, desejosos de fazer melhor do que os nossos pais, lançamo-nos à tarefa quais Dom Quixotes, munidos de uns compêndios e de umas apps. Juramos que vamos conversar em lugar de castigar, persuadir em vez de dar ordens, firmes nos limites, mas flexíveis quando necessário, substituindo o autoritarismo pela autoridade iluminada.

 

E até fazemos um óptimo trabalho mas, quando a nossa vida é vista à lupa de uma "sondagem", de lá saltam as contradições e, com elas, a consciência de que andamos todos à beira de um ataque de nervos.   

 

 O estudo "A (in)disciplina na família" de Alexandre Henriques, autor do blogue ComRegras,  é uma dessas oportunidades de nos vermos ao espelho. Divulgado na semana passada, inquiriu 2.560 encarregados de educação de crianças e adolescentes que frequentam do pré-escolar ao secundário:

 

Depois de o ter lido, a minha primeira nota vai para os 11% dizem que não têm discussões com os filhos. Zero. Nenhumas. Cá para mim, das duas, uma, ou dizem a verdade e é caso para Comissão de Proteção de Menores, ou é mentira, e é caso para Comissão de Proteção de Menores.

 

Vamos então aos mais honestos. Questionados sobre a principal causa de discussões em família, 76% dos pais com filhos no pré-escolar dizem que são as birras, percentagem que desce para 42% no 1.º Ciclo. Se lhe somarmos a segunda maior queixa, o "incumprimento de pedidos/ordens e orientações", fica claro que quando não estamos a discutir com eles por causa das birras, discutimos porque nos desobedecem. Confere!

 

Aparentemente à medida que crescem as birras e a desobediência diminuem mas, na prática, suspeita-se que apenas se transformam: "O uso excessivo de aparelhos tecnológicos" é já causa de conflito nos mais pequenos, mas passa a liderar no 2.º ciclo (46,3%), 3.º ciclo (54%) e secundário (44%). Segue-se a "desarrumação/desorganização do quarto", que motiva 40% de queixas paternas (os outros, provavelmente, preferem fingir que não veem). Somando esta bomba-relógio à "recusa em realizar tarefas domésticas" e ao "incumprimento de pedidos/ordens/orientações", que põem fora de si, respetivamente, 20% e 30% os encarregados de educação de adolescentes, a verdade começa a vir ao de cima: os pais engolem muitos sapos.

 

E como reagem os pobres progenitores espezinhados? Como eu ou o leitor: entregam-se à histeria, eufemisticamente rotulada no estudo de "principal metodologia corretiva". Ou seja, gritam. Gritam 84% dos pais do pré-escolar e do 1.º ciclo e do 2.º ciclo, e gritam mais ainda os do 3.º ciclo, com uns fantásticos 98%.  O número baixa para 67% de gritos no secundário, provavelmente porque perderam a voz, ou desistiram. O divertido é que depois disfarçamos como podemos: no mesmo universo, 100% afirmam também que reagem aos abusos "repreendendo através do diálogo". Ou seja, dialogam aos gritos. É uma síntese fantástica dos pais que somos.  

 

Mas e se estivéssemos a gastar a voz com o que  importa pouco, calando-nos quando não devíamos? Quando se sabe que os consumos de álcool, tabaco e drogas (sobretudo cannabis) entre os jovens são preocupantes, não é estranho que o tema seja 0% causa de discussão até ao 3.º ciclo, e apenas 1,5% no secundário? Pronto, não grite, só perguntei.

 

Para o estudo vá (http://www.comregras.com/category/familia/) . Para gritar menos, leia "Berra-me Baixo", Magda Gomes Dias, ed. Manuscrito.  

 

Jornalista

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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