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08 de Novembro de 2016 às 20:10

Uma boa oportunidade para não estar calado

Tantas vezes criticado por falar demais, desta feita o Presidente da República desperdiçou uma boa oportunidade para não estar calado.

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A visita de Marcelo Rebelo de Sousa a Cuba foi tão afectuosa que o Presidente da República, durante uma intervenção na Universidade de Havana, teve para com os anfitriões a elegância de saltar por cima da parte do discurso escrito em que registava a superioridade do multipartidarismo. Porventura esse momento já se varreu da memória mediática, na velocidade estonteante dos ciclos noticiosos. Aproveitemo-lo, no entanto, para homenagear outro Presidente, Barack Obama, na hora da sua despedida.

 

No dia 22 de Março de 2016, olhos nos olhos com a nomenclatura do regime cubano e sob os insistentes aplausos de uma plateia de estudantes, no Gran Teatro de Havana, Obama proferiu um discurso que é um primor diplomático, na magnanimidade com que concilia a franqueza ideológica com a celebração das virtudes do adversário histórico. É um discurso que devia ser de estudo obrigatório para todos os líderes políticos.  

 

Sobre a franqueza, eis um excerto: "Vim a Cuba para enterrar a última sobra da Guerra Fria nas Américas. Porém, devo falar com clareza: as nossas diferenças são reais e significativas (…) - sobre como organizamos os nossos governos, as nossas economias e as nossas sociedades. Cuba tem um sistema de partido único; os Estados Unidos são uma democracia multipartidária. Cuba tem um modelo económico socialista; os Estados Unidos são um mercado aberto. Cuba tem enfatizado o papel e os direitos do Estado; os Estados Unidos assentam nos direitos do indivíduo."

 

Outro excerto: "A esperança começa com a capacidade de cada um ganhar por si o seu modo de vida, e de construir algo de que se possa orgulhar" (…). "Deveria ser mais fácil abrir um negócio aqui em Cuba. Um trabalhador deveria poder encontrar um emprego directamente junto das empresas que aqui investem (…)." "Devo dizer-vos, como amigo, que a prosperidade sustentável no século XXI depende da educação, da saúde pública e da protecção ambiental. Mas depende também da livre e espontânea troca de ideias."

 

Um outro excerto, ainda: "Devo falar com honestidade sobre as coisas em que acredito (…). Acredito que todos devem ser iguais perante a lei. Acredito que os cidadãos devem poder dizer livremente o que pensam, sem medo - acredito que devem poder organizar-se, criticar o seu governo e protestar pacificamente, e que o império da lei não pode incluir a detenção arbitrária de quem exerce tais direitos. Acredito que todos devem dispor da liberdade de praticar a sua fé em público. E, sim, acredito que os eleitores devem poder escolher os seus governos em eleições livres e democráticas (…)." "É por causa das liberdades de que beneficiamos nos Estados Unidos que conseguimos mudar para melhor. Não digo que seja fácil. Existem ainda enormes problemas na nossa sociedade. Mas a democracia é o meio pelo qual os resolvemos."

 

A teoria segundo a qual os Estados devem evitar proximidades com outros Estados de orientação ideológica oposta é uma teoria infantil. Um país com um sistema político diferente não é necessariamente um inimigo e a normalidade das relações entre Estados deve ser, o mais possível, a regra. Mas a normalidade dessas relações, para ser genuína e frutuosa, implica que se possam expor e discutir com naturalidade as diferenças. Foi isso que Obama fez. E foi isso que Marcelo, desaproveitando a porta escancarada pelo Presidente americano, teve receio de fazer.

 

Tantas vezes criticado por falar demais, desta feita o Presidente da República desperdiçou uma boa oportunidade para não estar calado.

 

Advogado

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