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13 de Novembro de 2018 às 20:48

Quem são os "moderados"?

A esquerda europeia, alegadamente mais democrática do que as congéneres de outros continentes, costuma oferecer-nos momentos radicais típicos, sob disfarce democrático, com apoio da claque de Portugal.

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Há muito que a ideia de "moderação" não estava tão presente no debate político. Mas de que falamos quando falamos dos "moderados"? A expressão tem sido utilizada de uma forma tão indiscriminada que às vezes parece um qualificativo vazio, sem outra função que não a de muleta discursiva. Se vamos falar cada vez mais dos "moderados" (e da sua oposição aos "radicais"), é bom que dêmos ao conceito um sentido minimamente preciso, que seja útil para as discussões que aí estão.

 

O actual ambiente de guerra civil gerou noções que não servem. Por vezes "um moderado" é só o modo como alguém se qualifica a si próprio - mesmo que seja um rematado radical - para, em contraste, desqualificar o adversário. É uma forma de domínio da linguagem, de controlo dos limites do debate, para exercício do poder.

 

Outras vezes a "moderação" é o insulto com que uma pessoa, de esquerda ou de direita, é desqualificada pelos do seu próprio lado. Na sua falta de fervor, um "moderado" é um frouxo, um diletante, um tecnocrata venal do "centrão". Na sua condescendência com o inimigo, é um infiltrado, um herege, um traidor. Antigamente achava-se uma curiosidade cómica a acusação de aburguesamento do PCP a Zita Seabra, por frequentar pastelarias, boutiques e ginásios. Hoje essa mentalidade está por toda a parte.

 

Para simplificar, podíamos dizer que os moderados são aqueles que se opõem ao "populismo". Isso não seria suficiente, porque também não há uma noção exacta do que seja o "populismo". Às vezes basta um político levantar a voz para ser acusado de "populista".

 

É certo que um moderado é mais contemplativo do que fundamentalista, e que gosta mais de ver os dois lados de uma discussão do que insistir dogmaticamente numa conclusão predefinida. Isso torna-o, por regra, menos agressivo. Mas é possível ter-se em simultâneo ideias políticas temperadas e um comportamento destemperado. É possível defender políticas moderadas com fulgor, mesmo com truculência, assim como é possível ser-se sectário com falinhas mansas. Veja-se o caso de Francisco Louçã, que com o seu lendário rame-rame sussurrante transmite há décadas radicalismo como se fosse música de elevador.

 

A "moderação" não se pode confundir com um estilo. Ou é uma ideia com conteúdo político ou é um conceito sem utilidade.

 

A minha sugestão é esta: o moderado é aquele para quem os meios são tão importantes quanto os fins. A concretização das ideias políticas é essencial, mas a natureza do processo ou do ambiente que permite essa concretização não o é menos. Um moderado pode desejar tanto quanto um radical produzir uma certa mudança política. A diferença é que, enquanto para o primeiro são relevantes as condições em que a mudança se faz, para o segundo os fins justificam sempre os meios.

 

No tema dos "populismos", este teste tem a seguinte tradução: para um moderado, a democracia e as liberdades cívicas, políticas e económicas são fundamentais; para um radical, elas são um meio que, em nome dos fins, pode ser subalternizado ou subvertido.

 

Se calhar, é só a velha distinção entre revolucionários e não revolucionários, com outra veste. Que seja: reconduzir a linguagem a categorias conhecidas também é uma forma de lhe dar sentido.

 

A esquerda europeia, alegadamente mais democrática do que as congéneres de outros continentes, costuma oferecer-nos momentos radicais típicos, sob disfarce democrático, com apoio da claque de Portugal.

 

Um exemplo é o da questão catalã, em que pelos vistos uma constituição democrática e liberal, aprovada por consenso nacional e com um procedimento de revisão claro, deve ceder à vontade da turba na rua.

 

Outro é o que aconteceu na Grécia, no Verão de 2015, quando Alexis Tsipras convocou um referendo, com uma semana de antecedência e uma longa pergunta incompreensível, para que o povo se pronunciasse sobre um programa de resgate. Como se sabe, o resultado da consulta caiu no caixote de lixo da História, aliás como a própria bravata de Tsipras. Dos compêndios, todavia, ainda consta quem aplaudiu essa vergonhosa subversão de um expediente democrático com fins de chicana política.

 

Tristemente, o vírus proto-revolucionário também tem feito caminho à direita. Sobre isso escreverei na próxima semana.

 

Advogado

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