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05 de Dezembro de 2017 às 20:01

Belmiro: o homem que provou que é possível ser liberal em Portugal

Há sempre um momento na vida de todo o liberal português em que as suas convicções começam a sofrer um teste existencial.

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Não que o liberal passe a pôr em causa a validade moral do liberalismo ou a duvidar da sua robustez intelectual. O que acontece é que, mais tarde ou mais cedo, o liberal pátrio é surpreendido pela verificação de que, à sua volta, quase ninguém está para ali virado.

 

Uma pessoa entusiasma-se com o John Stuart Mill, o Adam Smith e o David Ricardo, o Raymond Aron e o Karl Popper, o Hayek e o Nozick, ou com a jurisprudência americana sobre a liberdade de expressão, e depois constata o quão Portugal é impermeável às ideias sobre a ordem espontânea e a liberdade como valor central da vida. Pregá-las parece o exercício de um estrangeirado diletante. Os portugueses nunca vêem o lado aspiracional e progressista do liberalismo. Este é só fonte de desordem e imprevisibilidade. Mais vale o conforto de uma vida regulada e silenciosa.

 

A dúvida agudiza-se quando se percebe que em Portugal nem os capitalistas são propriamente a vanguarda do liberalismo. O que mais para aí vemos são empresários encostados ao Estado, a pedir subsídios e regimes de excepção, e a "aposta estratégica" do país nos seus sectores (tradução: empresários a pedir que os políticos gastem o dinheiro dos contribuintes nos seus negócios).

 

É por isso que um liberal olhava para Belmiro de Azevedo com sentimentos mistos. Belmiro era o maior empresário de Portugal, mas quase não parecia de Portugal. Era o grande empresário que mais se afastou do Estado e da política, mas quase parecia o único. Um liberal olhava para Belmiro com uma admiração que, no fundo, gerava melancolia.

 

Belmiro de Azevedo encarnava as virtudes do liberalismo e do capitalismo num país que adora detestar um e outro. Ele mostrou como se montam negócios e constroem equipas privilegiando a inteligência e o carácter. Belmiro era o exemplo de como se pode e deve falar livremente, de como se pode e deve viver segundo a força criadora da liberdade económica, gerando riqueza e empregos, massa crítica e mobilidade social, modernizando sectores económicos fundamentais, e melhorando com isso a vida da comunidade, sem sobreviver à custa da influência junto do poder político. Com Belmiro, o capitalismo foi, realmente, um sistema libertador.

 

Havia, porém, um princípio capitalista que Belmiro não seguia à risca: o de que a responsabilidade social de uma empresa é apenas gerar lucro. Viu-se isso na forma como foi sempre decidindo manter o jornal Público, apesar de décadas de prejuízos. Mais: viu-se isso na forma como esse "perdócio" (palavra do próprio) foi sobrevivendo sem que o seu dono se imiscuísse na vida interna do jornal ou desincentivasse a liberdade dos seus jornalistas. Não havia aqui qualquer contradição: Belmiro de Azevedo, que construiu um império empresarial em democracia, percebia que a liberdade económica de que beneficiou só é possível numa sociedade politicamente livre.

 

Apesar de ser um exemplo extravagante, Belmiro provou que é possível ser liberal em Portugal. Devemos-lhe isso. 

 

Advogado

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