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13 de Agosto de 2019 às 21:15

A maioria constitucional que o PS quer é com o PSD

Vejo muita gente a olhar para as sondagens e a falar de uma maioria constitucional de esquerda na próxima legislatura. Duvido de que o PS, tendo a oportunidade, quisesse aproveitar essa maioria.

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Se os resultados das legislativas fossem os que as sondagens antecipam, seria porque o PS havia colonizado grande parte do espaço dos que em 2011 e 2015 votaram na direita, não porque havia crescido à esquerda. Com essa base de apoio, Costa não teria qualquer incentivo para brincar com as garantias da propriedade privada ou dar gás a outros sonhos do constitucionalismo reaccionário do Bloco e do PCP.

 

É preciso ser-se muito ingénuo para ainda achar que o PS se move a ideologia. Como se viu, a "geringonça" não foi nenhum "coming out" esquerdista do partido que um dia "meteu o socialismo na gaveta"; foi apenas um instrumento para atingir e segurar o poder.

 

Quando distribui o Orçamento do Estado fundamentalmente pelas clientelas eleitorais do funcionalismo público, ou quando - contra o que defendeu na oposição - se autocelebra cinicamente como o partido do défice zero, ou ainda quando dá ares de thatcherismo para dizer que está ao lado do povo contra os sindicatos, o que o PS está a fazer é sempre o mesmo: está a conquistar o eleitorado que dá as vitórias - o eleitorado que acima de tudo gosta de estabilidade no bolso e previsibilidade nas ruas, e que detesta ser governado por arrebatamentos ideológicos.

 

Aliás, uma parte das actuais dificuldades da direita é que esse eleitorado, política ou psicologicamente conservador, é o seu eleitorado típico. A outra parte das dificuldades é que aquilo que o país hoje reclama da direita está muito para lá das preocupações imediatas desse eleitorado. Portugal precisa de crescer economicamente muito mais do que cresce e isso só se faz libertando a criatividade e iniciativa privadas, contra a esquerda da actual maioria, cuja estratégia é distribuir cada vez mais o que há, mesmo que daí resulte que o que há para distribuir seja cada vez menos.

 

O grande desafio da direita nos próximos anos é saber dizer isto a um eleitorado que parece prezar mais a estabilidade do que a liberdade, e que talvez prefira esta anemia económica a uma cultura que premeia o risco e a diferenciação.

 

Mas para estar à altura desse desafio é preciso também que a direita não se deixe enredar nas questões constitucionais que o PS quer colocar na agenda. Porque, sim, é óbvio que o PS quer iniciar um debate sobre essas questões. Não será é um debate determinado pela ideologia, mas, como sempre, pela vontade de os socialistas se eternizarem no poder.

 

O PS não quer mexer na constituição económica ou nos direitos fundamentais. O que o PS quer é fazer mudanças no sistema eleitoral e na organização política do Estado. Ou seja, nas regras do jogo. Um exemplo são os círculos uninominais, que o PS defende no seu programa eleitoral. Outro é a regionalização, que a Comissão Cravinho defende e calendarizou, e pela qual o PS está evidentemente mortinho.

 

Há bastantes argumentos substantivos para que se rejeitem estas duas ideias (lá iremos, provavelmente, em devido tempo). Mas antes de mais há que perceber que o que o PS realmente quer é aproveitar este momento histórico de hegemonia para inclinar o campo a favor dos dois maiores partidos (e proporcionalmente mais a favor do PS, tendo em conta a previsível conjuntura do poder na próxima legislatura). Tanto os círculos uninominais como a regionalização servem para reforçar o controlo político e burocrático do Estado e do território por parte dos partidos com maior implantação.

 

E é por isso que não é o Bloco ou o PCP que estarão disponíveis para a "maioria constitucional" que o PS deseja. Esses partidos são atingidos na jugular com as mudanças pretendidas.

 

Quem estará disponível é o PSD. De resto, como se sabe, Rui Rio saliva com estes temas. Mas, se for por aí, estará a arrastar a direita para o jogo dos socialistas, entretida numa estéril discussão constitucional enquanto o PS, supostamente ocupado com o dia-a-dia dos problemas reais dos portugueses, aparece como o único partido natural de governo. Só cai na armadilha quem quiser. 

 

Advogado

 

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

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