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Opinião
10 de Abril de 2018 às 20:50

A justiça brasileira está a ser condenada sem provas

A corrupção no Brasil é um problema antigo, endémico e transversal. É uma instituição do regime. É uma instituição acima dos regimes. É um regime em si mesmo.

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A corrupção é um código administrativo, um princípio legislativo, uma constituição material. A corrupção é o próprio regime.

 

Admito que me falem da futilidade do combate a esse estado de coisas. Admito que me expliquem os riscos de querer acabar com toda a corrupção de uma só vez. Que a instabilidade e a polarização geradas no imediato tornarão o país inviável no longo prazo. Estou preparado para escutar esse realismo. Mas, se concordarmos que o combate à corrupção é justo e urgente - como defenderei sempre, em qualquer tempo e geografia -, não admito que me queiram convencer de que é possível que a luta seja linear e sem espinhas.

 

Num país como o Brasil, esse combate é um trilho longo, tortuoso e armadilhado. Envolve meter a mão num vespeiro de poderosos e acabar com privilégios e modos de vida ancestrais. É uma transição de regime, uma revolução. Como é que isso se faz com serenidade cívica e normalidade institucional? Não se faz. Lamento: isso nunca se fez em lado algum, e muito menos se fará no Brasil.

 

É por isso que hoje o Brasil é um teatro de personagens ambíguas, que não nos permitem ver com nitidez o bem e o mal. Políticos que roubam mas fazem, jornalistas que só contam metade da história, procuradores que se acham ungidos, juízes que se acham heróis, militares em pulgas, fartos do ócio da caserna. Por todo o lado há leopardos em fuga para a nova paisagem, à espera que a confusão os amnistie.

 

O que um observador interessado deve fazer é tentar ver o essencial, para lá da propaganda e do fanatismo. É preciso estar-se atento aos atropelos do direito, da democracia e da decência, e perceber até que ponto eles comprometem as investigações e os julgamentos. Mas sempre com uma bússola: saber que uma coisa é a denúncia dos atropelos e que outra, totalmente diferente, é a deslegitimação da luta contra a corrupção.

 

Estou disponível para ser convencido de que Lula da Silva é vítima de uma manipulação política do sistema judicial. Talvez por cepticismo profissional, talvez por preconceito eurocêntrico, talvez por ambos. O meu problema com essa tese é que não há praticamente nenhum argumento que os seus defensores utilizem que, visto à luz da realidade, não os transforme na caricatura do juiz tendencioso que os próprios fazem de Sérgio Moro.

 

Antes de Lula, a operação Lava Jato apanhou dezenas de empresários, gestores e políticos de muitos partidos, da esquerda à direita. Com as mesmas regras jurídicas, com as mesmas práticas judiciárias. A ideia de que tudo foi montado para apanhar o ex-presidente é uma efabulação.

 

Depois há a teoria de que Lula foi condenado sem provas. Em Portugal, chegou a correr o mito de que o único indício era o de a sua mulher ter visitado o famigerado triplex. Não é verdade. Do que é público, a prova testemunhal e documental obtida é bem mais vasta. Não sei, porque não li as decisões, se o raciocínio dos juízes sobre a articulação dos indícios é suficientemente coerente. Sei que a doutrina diverge. Mas a doutrina diverge quase sempre nestas coisas. E, de qualquer modo, em princípio não é estranho que o conjunto de provas recolhido tenha convencido dois colectivos de juízes.

 

Se neste caso existe uma condenação sem provas, é a condenação da justiça brasileira. Para já, nada do que a acusam faz de Lula um condenado inocente, muito menos um mártir político. 

 

Advogado

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