Opinião
O martírio de Joana
Vivemos num tempo em que são fáceis os equívocos. Se os governos e os partidos intrigam e manobram o poder judicial e se as leis não são aplicadas a todos, não há divisão de poderes.
Se as deusas de mármore tiram a venda dos olhos e a justiça se converte numa tirania de juízes arbitrários, não estamos num Estado de direito. E também não se pode falar de justiça quando as ruas se transformaram em palcos com guilhotinas mediáticas em que se corta a cabeça aos inimigos do povo. Estamos num novo mundo. Onde a actividade judicial e a justiça são gelatina pura: toca-se e fica tudo a tremer. E é nesse território minado que Francisca van Dunem veio insinuar que Joana Marques Vidal, depois de terminar o seu mandato de seis anos como PGR, poderá ser removida. Escuda-se em lógicas legais (que não surgem na Constituição), para driblar a decisão política: o Governo (e o PS) acha que a procuradora Joana é um iogurte fora de prazo. É um pensamento conhecido e por isso causa estranheza que Francisca van Dunen venha abrir agora uma frente de batalha dispensável para o Governo. Foi um deslize ou um gambito num jogo de xadrez que desconhecemos? Como seria óbvio, a oposição empolgou-se.
Mas, convenhamos, querer transformar Joana Marques Vidal na La Pasionaria da justiça é um manifesto exagero. A "guerra aos poderosos" é um manto diáfano que esconde o descalabro de um segredo de justiça que parece queijo suíço e de investigações que ultrapassam todos os prazos sensatos. Na História, costumam encontrar-se ensinamentos inteligentes sobre o presente. Cesare Beccaria, no delicioso e fundamental "Dos Delitos e das Penas", escrito no século XVIII, deixou-nos muitas reflexões úteis sobre a justiça. Uma delas é particularmente interessante: "Quanto mais pronta e mais perto do delito cometido esteja a pena, tanto mais justa e útil ela será." Custa a crer que Franscisca van Dunem quisesse transformar Joana Marques Vidal numa mártir. Assim sendo, porque é que abriu uma caixa de Pandora?
Grande repórter