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30 de Outubro de 2019 às 20:23

O mito das reformas estruturais

São raras, ou inexistentes, as ocasiões em que um Governo pode completar uma alteração estrutural do país com uma arrojada intervenção, como são raras as vezes em que a realidade é assim transformada pelo poder da publicação das leis no Diário da República.

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Com a apresentação do Programa do Governo, levanta-se, como face ao anterior, a crítica em torno da falta de "reformas estruturais". Não deve haver nação em que mais se reivindique que todos os governos virem o país de pernas para o ar. Pretende-se não uma, mas uma série delas, a completar por cada governo, chegando-se ao ponto de a maioria governativa mudar e, ao mesmo tempo que afirma que fez reformas estruturais, reivindica que o novo governo faça reformas estruturais (dando a entender que as suas reformas não foram tão estruturais como isso). Somos o país da reforma estrutural permanente.

"Reformas estruturais" é uma expressão que tem um significado historicamente muito preciso na "langue de bois" da tecnocracia: significa menos regulação nos mercados financeiros e no mercado de trabalho (designadamente mais flexibilidade do despedimento); menos serviços públicos, segurança social e impostos. Uma visão respeitável de desenvolvimento mas de forma nenhuma a única possível. Esta visão foi adotada pelos filhos do neoliberalismo de Tatcher e Reagan que tomaram conta do discurso de algumas organizações internacionais a partir dos anos 90, e que almejavam transformar todos os países numa qualquer combinação de Estados Unidos com Singapura. Naturalmente, não é de esperar que a atual maioria, como a anterior, "reforme" neste sentido.

 

No nosso país, a expressão serve também outro nobre propósito: permite a todo o comentador que não tenha nada de interessante para dizer sobre um assunto parecer simultaneamente sofisticado e dotado de sentido de Estado.

 

Tudo isto me parece decorrer de uma visão errada sobre as políticas públicas. São raras, ou inexistentes, as ocasiões em que um Governo pode completar uma alteração estrutural do país com uma arrojada intervenção, como são raras as vezes em que a realidade é assim transformada pelo poder da publicação das leis no Diário da República. Alterações estruturais importantes levam anos ou décadas de políticas públicas que integram muitas medidas tomadas por vários governos. Assim, por exemplo, uma das mais importantes transformações que Portugal teve nas últimas décadas - a elevação das qualificações dos portugueses, aproximando-as dos níveis do resto da Europa - foi um processo que requereu um continuado esforço, sobretudo nas últimas duas décadas. Mesmo com esta continuidade e resultados muito positivos, ainda não foi possível ultrapassar o colossal atraso das qualificações dos portugueses - atraso que é o principal legado da curiosa visão de desenvolvimento da direita conservadora que governou o país durante metade do século XX.

 

"Menos Reformas, Melhores Políticas", sugere o título de uma coleção de estudos do IPPS/ISCTE,  coordenado por Ricardo Paes Mamede e Pedro Adão e Silva, publicado em julho a propósito do debate do estado da nação. Não podia estar mais de acordo com os autores e recomendo a quem ainda não o leu que aproveite esta ocasião de debate de Programa do Governo. Mais do que uma permanente instabilidade de políticas em nome de um reformismo radical, o país precisa de melhor qualidade de decisão política; precisa de assumir que os resultados são graduais; de mais planeamento e preparação da decisão; de tomar consciência de que, quando se interrompem políticas em execução, se podem desperdiçar os recursos públicos que foram necessários ao desenvolvimento da política atual.

 

Mais do que tudo, penso, precisamos de fazer sistematicamente avaliação dos resultados das medidas tomadas. Nesta década assistimos ao terminar de programas que se dirigiam a problemas críticos da sociedade portuguesa - o Simplex e o Novas Oportunidades - sem que houvesse sequer um esboço de tentativa de dizer algo como "avaliámos o programa, os resultados são estes e não são positivos". E essa, independentemente da posição de cada um sobre esses programas, é precisamente a maneira como não se devem tomar decisões políticas.

 

Deputado do PS e professor de Direito

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