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25 de Novembro de 2020 às 18:48

Não vale tudo no estado de emergência, nem podemos estar de mãos atadas fora dele

Temos de dispor de regras que permitam a compressão de direitos individuais sem recurso ao estado de emergência; e temos de ter um estado de emergência em que as compressões dos direitos não sejam absolutas, mas adequadas e proporcionais.

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A julgar por algumas opiniões publicadas, a compressão de direitos fundamentais por razões sanitárias tem um enquadramento constitucional de extrema dicotomia: fora de estado de emergência, não pode haver compressão nenhuma; dentro do estado de emergência, todas as compressões são possíveis. Não me parece que tal seja uma leitura correta da Constituição, e sobretudo não me parece que seja a posição adequada a um “sistema justo de cooperação social ao longo do tempo”, para usar uma formulação conhecida. Sendo as emergências sanitárias uma realidade, temos de dispor de regras que permitam a compressão de direitos individuais sem recurso ao estado de emergência; e temos de ter um estado de emergência em que as compressões dos direitos não sejam absolutas, mas adequadas e proporcionais.

Começando com o que se pode fazer fora do estado de emergência, parece-me claro que a Constituição não impede em absoluto a aplicação de medidas administrativas restritivas da liberdade. Vamos supor que no próximo ano é identificado em Portugal um surto de ébola. Vamos ter de esperar por um decreto de estado de emergência para que sejam decretadas pelas autoridades de saúde, de imediato, as medidas de confinamento necessárias? Parece haver dúvidas sobre as possibilidades que a nossa legislação vigente dá ao Governo para agir nesse sentido. Mas a saúde e a vida das pessoas estão também entre os valores que a nossa Constituição tutela. Se a dúvida existe, convém que a experiência dos últimos meses seja analisada por forma que o enquadramento legislativo seja aperfeiçoado por legislação da Assembleia da República.

Quanto à extensão dos poderes do Governo em estado de emergência, parece haver qualquer coisa nas atividades do PCP que excita particularmente as glândulas proibitórias da direita portuguesa. Com a Festa do Avante, foi o que se viu. A comparação das imagens dessa festa com outras atividades dos últimos meses – o 13 de setembro em Fátima, a Fórmula 1 em Portimão, o congresso de uma outra agremiação partidária em Évora – devia ter levado a algum recato relativamente ao congresso do PCP. Quais quê, é para proibir e já.

Deixando de lado o facto evidente de a legislação portuguesa impedir expressamente o Governo de proibir esse congresso, vamos à questão substancial – deveria ser proibido? Neste estado de emergência não está proibido o trabalho que decorre presencialmente: continuo a deslocar-me à Faculdade de Direito de Coimbra para dar aulas que são também presenciais; continuo a ver reuniões presenciais da Assembleia da República; sei que há inúmeras empresas que continuam a funcionar presencialmente. Em todos estes casos, o funcionamento presencial obedece a regras que reduzem o risco, e entende-se que o acréscimo de risco é justificado pela necessidade de funcionamento presencial. A que propósito iria agora o Governo decretar que uma reunião de um órgão estatutário de um qualquer partido não era enquadrável no mesmo princípio?

A este propósito assinalo com preocupação a posição expressa, via tweet, pelo líder da oposição, segunda a qual o Governo não tinha de “proibir” o congresso do PCP, bastava impor que ele fosse “adiado”. Fico um pouco alarmado quando um candidato a primeiro-ministro usa este tipo de chico-espertice em matéria de limitação de direitos fundamentais. Fico a pensar que um dia me põem um polícia à porta de casa que me impede de sair, mas que não me está a “proibir” de sair, apenas a “adiar” a minha saída.

 

Parece haver qualquer coisa nas atividades do PCP que excita particularmente as glândulas proibitórias da direita portuguesa.
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