Opinião
Os trabalhos de Helena
Os trabalhos de Helena são (em parte) como os trabalhos de Asterix. César - o imperador romano - queria conquistar a Aldeia Gaulesa e Asterix bloqueava o acesso, com a poção mágica e o seu inseparável amigo Obelix, querendo manter o seu território para servir as suas gentes. Lutava contra o invasor.
Helena Freitas, a coordenadora da nova Unidade de Missão para a Valorização do Território, e João Paulo Catarino, coordenador adjunto, não têm uma poção mágica, mas têm de trabalhar para que Portugal não prescinda de um território a que António Costa chamou frente peninsular, onde reside um potencial de desenvolvimento e competitividade que tem sido, por más políticas públicas, negligenciado. O invasor, neste caso, não são os romanos, mas sim o envelhecimento, o abandono e uma indiferença que também "mata".
Mas há um aspeto que é comum aos propósitos do imperador romano: César sabia que depois de conquistar um território, ainda que o quisesse submeter à paz de Roma, ele devia ter gente, população, que criasse valor, riqueza, para que os impostos alimentassem as novas empresas do império. Aqui o império - litoralizado - olha sempre para o mar como se este fosse um íman. Aí encontra sempre futuro, empurrando muitos para fora de terra - da sua terra - porque optam por sair do interior quando ele já não oferece condições de ter emprego, educação, saúde, justiça ou nalguns casos nem junta de freguesia. Correm para Roma - ou para as outras "Romas" do mundo - acotovelando-se nas cidades onde labutam, onde ganham a vida. Na nossa Roma - Olisipo de que tanto gosto - vivemos o drama da dívida e do défice; mas não procuramos em nós - no mar, mas também em terra - aquelas que são as potencialidades que nos podem permitir viver melhor. Como dizia o Prof. Augusto Mateus ainda este sábado, no lançamento da Unidade de Missão para a Valorização do Interior, é impossível voltar para trás, e por isso não há fórmulas repetidas que nos levem a uma solução, e esse é o primeiro trabalho: aprofundar o conhecimento sobre o território, mas deixar para trás os "clichés" sobre a interioridade e as fórmulas gastas de assistencialismo improdutivo.
Segundo trabalho, o de arrumar o lamento. Não vale a pena lamentar; se é certo que a situação é difícil, e que os diagnósticos estão feitos, lamentar é apenas indutor de mais tempo desperdiçado. Focar na solução é o essencial. E não vale a pena inventar muito: essas soluções existem. Podem precisar de escala, de mais recursos para focar nos mercados internacionais (e não é apenas dinheiro), mas da agricultura ao turismo, passando pela floresta, dos serviços à indústria, há quem faça bem. E muitos autarcas sabem-no e podem partilhar. Vejam-se os casos no setor vinícola, no azeite, no agroalimentar, mas também no turismo de natureza, na indústria da cortiça ou da pedra natural. Há bons exemplos, com serviços de suporte, que criam emprego e pagam impostos.
Terceiro trabalho, o de não acreditar que de "Espanha nem bom vento, nem bom casamento". As autonomias espanholas cresceram em competências, orçamentos e recursos humanos. Têm cidades médias com escala suficiente para gerar eficiências com mercados com poder aquisitivo. Podem ser aliados na agenda das infraestruturas a programar e desenvolver, e também não gostam de portagens para chegar a Lisboa e ao Porto. Se a Extremadura espanhola diz que Sines, Setúbal e Lisboa são os seus portos, também Madrid é um mercado a servir desde a raia. Muitos autarcas já o promovem por sua conta e risco.
Quarto trabalho, o mais difícil, que o Governo pense Interior e seja capaz de o inscrever com um selo de competitividade e coesão territorial nas diferentes políticas, procurando que as decisões sejam coerentes, da agricultura à segurança social, da economia ao ordenamento do território. Esse é o maior desafio. Ser perene e consistente; o tempo mostrará a coerência na mobilização dos recursos públicos. Só assim será eficaz.
Finalmente, o quinto trabalho, nunca fazer coisas urgentes incompatíveis com os objetivos de médio/longo prazo. As pressões são sempre muitas para mostrar trabalho e para fazer obra. A tentação é sempre muita, consumindo-se recursos em atividades não concordantes com a estratégia. É que estes romanos são mesmo loucos, lá diria o Obelix, pois repetindo os mesmos erros esperam ter resultados diferentes. Mas este é um trabalho que a unidade de missão não pode resolver sozinha: cabe ao Conselho de Ministros perceber e contribuir para que não seja assim. De resto, boa sorte. O êxito da unidade de missão fará a diferença de muitos portugueses.
Deputado do PS
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