Opinião
O medo que nos une
O sobressalto de manhã: as bombas no aeroporto e no metro de Bruxelas. A primeira angústia; a Bruxelas cinzenta e chuvosa tornou-se a casa de tantos amigos e conhecidos e a pergunta instala-se na nossa cabeça: estarão bem? O telefone toca.
Os familiares sabem que por afazeres profissionais, nesta vida de deputado, há sempre a possibilidade de estar por Bruxelas; de estar no local errado na hora errada. A tranquilidade - apesar das notícias - regressa.
As notícias invadem o espaço público: os "nossos" mortos e feridos vão subindo. Perante a impotência, os mais apressados tomam de "assalto" a Síria e o Daesh; os mais cautos explicam que mais violência nunca trouxe mais paz. Dividem-se razões; mas há algo que os une, e que se multiplica a cada atentado, o medo. O medo que nos une.
Talvez quem tenha sentido este medo perceba as centenas de milhares de homens, mulheres e crianças (e destas muitas sozinhas), que atravessam o mar Mediterrâneo ultrapassando outros medos para se entregar nas mãos de máfias que lhes prometem chegar à Europa. Uma coragem insuflada pelo pânico da morte. Não esqueço a história que ainda este fim de semana ouvi do vice-reitor da UBI - o Prof. João Canavilhas - quando contava que uma mulher eritreia, residente na cidade da Covilhã, que acompanha o marido, um refugiado acolhido naquela instituição, esteve um ano fechada em casa, sem sair, com o pânico de que o Boko Haram a pudesse identificar e encontrar. O medo que a persegue rouba-lhe a liberdade mesmo a muitos quilómetros de distância.
Este é o momento de afirmar uma Europa da liberdade; não podemos edificar uma fortaleza que abdique da livre circulação de pessoas e bens, e que ao mesmo tempo se feche ao exterior, expelindo quem chega em busca de paz e sobrevivência. Não podemos transigir - e devemos reafirmar - a Europa da democracia, da tolerância e dos direitos humanos. A Europa da economia social de mercado, da coesão e da competitividade. E se do medo apenas a fuga emergir, então o projeto europeu já terá soçobrado.
É por isso que precisamos de uma liderança europeia que não aceite trocar a liberdade e a democracia pelo sossego de uma velhice tranquila; de uma Europa sem rasgo e sem juventude, que de tão envelhecida rejeita o risco de acolher segundo os seus valores, empurrando para fora quem procura nela precisamente aquilo que milhares de refugiados europeus procuraram durante e no pós-Segunda Guerra Mundial.
O acordo com a Turquia é insuficiente e coloca muitas questões em torno dos direitos humanos. Os "hotspots" continuam com deficiências e com falta de pessoal de ligação. O mecanismo extraordinário de relocalização de refugiados - para colocar apenas 160 mil dos quase um milhão de refugiados que, entretanto, chegaram à Europa, em 2015 - não funciona, e diversos Estados-membros, muitos para lá do muro até 1989, constroem outros muros para cercear a circulação. Ao mesmo tempo que é evidente que o regime (de asilo) de Dublin está ultrapassado e precisa urgentemente de reforma. Há que prosseguir na pedagogia de mais Europa, mas os resultados entretanto não são alentadores.
Os projetos em marcha, como uma maior coordenação das guardas-costeiras e o reforço da Agência Frontex (controlo das fronteiras externas), são fundamentais para garantir que podemos prosseguir na defesa do Espaço de Schengen, do mercado interno, e acima de tudo dos valores de liberdade que defendemos. Se perante a crise, tal como aconteceu no caso da crise das dívidas soberanas, o resultado for mais fragmentação, perdemos coletivamente aquilo que edificámos como comunidade desde os anos 1950.
O medo que nos une também nos une aos refugiados. Não nos afasta deles. Partilhamos o mesmo medo do terror, das suseranias pela força, da falta de liberdade e paz. Este é o momento para um novo impulso europeu, para federar esforços e recursos, e para reafirmar os valores da União Europeia, e não para o regresso às autarcias soberanistas. E nesta construção a golpe de crises - já o escrevi aqui uma vez - não vai dar para ficar a meio da ponte. Mais Europa é a solução. Que o medo nos una no "lado certo" desta crise.
Deputado do Partido Socialista
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