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Chanel: bigode feminino e pele de fim-de-semana

Uma rapariga de bigode? Aceitariam as audiências uma jovem ou uma mulher apresentando as notícias com um buçozinho ou um bigodinho à Errol Flynn? Aceitá-la-iam empresários à frente de um serviço de atendimento ao público? Ou como hospedeira de bordo? Certo é que a publicidade se permite propor uma moça de buço; encontrei-a num anúncio de Chanel.

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Uma rapariga de bigode? Aceitariam as audiências uma jovem ou uma mulher apresentando as notícias com um buçozinho ou um bigodinho à Errol Flynn? Aceitá-la-iam empresários à frente de um serviço de atendimento ao público? Ou como hospedeira de bordo? Certo é que a publicidade se permite propor uma moça de buço; encontrei-a num anúncio de Chanel.

 

A preto e branco, como convém à conotação de chique, o reclame mostra três mulheres jovens sentadas numa escrivaninha e num banco. Parecem absortas e isoladas, mas puseram-nas numa pose em que estão em contacto físico, como as Três Graças: duas de mãos dadas, uma delas com a mão na perna da terceira, esta com a mão no braço daquela. Uma delas mostra-se de bigode em riste, assim um bocadinho à Frida Kahlo.

 

As mãos dadas e o adereço capilar masculino sugerem uma relação lésbica, já tão usada na publicidade; mas desta composição não emana qualquer erotismo. Pelo efeito de surpresa, o bigode chama a observadora para dentro da imagem e daí para as roupas e adereços que os modelos trazem vestidos. A ligação física entre elas, que parece resultar apenas do estranho lugar em que se encontram, serve para as unir criando um elemento estético essencial à beleza e atracção da imagem.

 

E o tal bigode? É apenas ficção publicitária, para chamar a atenção? Ou assinala alguma mudança no visual feminino? A pilosidade de homens e mulheres tem sofrido inúmeras alterações, impostas ou seguidas pela moda. Homens ora peludos ora rapados, ora de cabelos compridos ou curtos, com ou sem bigode, escanhoados ou com barba de três dias, com ou sem patilhas; mulheres rapadas ou exibindo pelos nas axilas, e, quanto a penteados, nem vale a pena mencionar (nem eu saberia) as variações que a moda exibe de ano para ano. A criação publicitária, como a dos media, vive numa constante oscilação entre repetir o visto e tentar impor o novo. A sociedade ou não liga, ou reage a bem, aceitando e seguindo, ou a mal, rejeitando e até condenando (são as campanhas "polémicas").

 

É também preciso criar justificações para os novos produtos que a indústria inventa para sobreviver e competir. Tarefa ingrata, a que a publicidade responde normalmente bem, convencendo o consumidor de que a sua vida foi cinzenta e triste até aparecer um novo consumível de que nunca tinha pensado necessitar. Há trinta anos, num anúncio televisivo de uma cera de limpezas, que ainda existe, uma mulher de idade dizia no final para a câmara: "Mas porque é que no meu tempo não havia Glo-Co?" Sim, porquê? A resposta sugerida é sempre a mesma: agora há, e não se pode viver sem o novo produto.

 

Surpreendeu-me um novo produto de Chanel dividido por três frascos, ou três produtos da mesma gama: cremes diferentes, para usar de dia e de noite (o que já é comum no mercado), a que se acrescenta um creme para usar no fim-de-semana: "Le jour", "La nuit" e "Le weekend". O que faz o fim-de-semana - realidade social nascida no século XX - à pele feminina não sei. O anúncio tem texto extenso para o tipo de publicidade, mas não explica. Promete "uma acção inédita", o que deve ser muito bom quando me explicarem o que é. O fim-de-semana aparece vagamente sugerido na ideia da acção "complementar" que "compensa os efeitos de uma vida intensa" e que permite à pele "recuperar o seu ritmo natural", o qual, pelos vistos, inclui o fim-de-semana. Não está mal vista, esta criação de uma necessidade: a trabalhadora tem dia, tem noite, e tem fim-de-semana, dois dias em que muda de trem de vida, de roupa, de ocupação do tempo. Agora também ficamos a saber que tem uma pele diferente, coisa do ritmo. Assim o diz, à flor da pele da mensagem, a magia da publicidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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