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[772.] Intimissimi

No anúncio teria de haver um "happy end": ei-la chegando à passadeira vermelha e, triunfante, virando-se para uma multidão fora de campo, de que apenas se ouve a gritaria de aprovação.

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Analisei amiúde a apresentação da série "Sexo e a Cidade" com os meus alunos. As apresentações são, pela sua função e curta duração, antecipações concentradas do que um filme ou uma série promete ao espectador. As melhores são pequenas obras-primas, recorrendo a metáforas e simbolizações para conseguir a linguagem concentrada, como um poema.

 

Era o caso. Apesar da leveza, a apresentação dava imensos elementos à espectadora. Centrada nas protagonistas, a actriz Sarah Jessica Parker (o "sexo") e Manhattan (a "cidade"), era uma curta narrativa mostrando a mulher adulta, muito convencida de si, como se dominasse a cidade. Todavia, era a cidade que a dominava, quando, no final, num episódio cómico fica encharcada pela água do asfalto ao passar um autocarro. E, nesse autocarro, estava um anúncio da coluna "social" escrita pela própria protagonista e narradora. De algum modo, ela mesma se sujava.

 

Parker, 20 anos depois, protagoniza uma campanha de lingerie de Intimissimi que é uma propositada e total intertextualidade com a apresentação de "Sexo e a Cidade". Desta vez, começa em casa. Ela, de pijama de cetim preto mas de colar e soutien, sai à rua confiante, como acontecia na abertura da série. Todavia, aqui não é ignorada pela cidade, antes faz abrir bocas de mulheres em choque por ela andar de pijama. E, ao contrário de "Sexo e a Cidade", não é o trânsito que a incomoda, é ela que faz parar literalmente o trânsito, ao encostar-se à capota dum táxi e obrigando um polícia a fazê-la circular.

 

No anúncio teria de haver um "happy end": ei-la chegando à passadeira vermelha e, triunfante, virando-se para uma multidão fora de campo, de que apenas se ouve a gritaria de aprovação.

 

A música instrumental de "Sexo e a Cidade" correspondia exactamente ao desejado, entre a sugestão de suspense e de comédia, com a hipótese de tristeza. A campanha de Intimissimi é ilustrada gritantemente por uma canção italiana de 1966, "Nessuno Mi Può Giudicare" (ninguém me pode julgar), cantada por Caterina Caselli. O toque italiano era necessário à campanha, porque a marca é italiana e para transmitir o mito italiano, um conjunto de ideias sobre a Itália que transborda para o "apelido" da marca, "Italian lingerie". O tema musical corresponde à narrativa: de pijama, a protagonista desafia convenções - e quem são as outras para a julgar? Claro, no fim, ela é julgada positivamente pela multidão invisível, que decerto inclui as espectadoras, mas essa aparente contradição serve para levar ao consumo. Se a espectadora for ousada quanto baste para usar lingerie italiana, será compensada pela apreciação das outras e dos outros. O anúncio inclui a ligação directa ao consumo, ao mostrar Parker parando por um momento em frente de uma montra de Intimissimi, antes da sua chegada triunfal à passadeira vermelha.

 

O recurso à actriz americana tem mais que se lhe diga do que a ligação a "Sexo e a Cidade", a associação da lingerie da marca à mulher urbana e ao sexo. Ao contrário de outros, o anúncio não precisa de mostrar cenas eróticas, porque a ideia está implícita. Por um lado, a marca assume-se global. Uma das vitoriosas facetas da globalização tem sido a mundialização da cultura popular e erudita americana como "a" cultura "normal", o padrão. Que há de mais mítico neste mundo do que Manhattan e uma série americana? Por outro lado, Sarah Jessica Parker apresenta-se impecável aos 53 anos - e abre a marca para o mercado das mulheres de meia-idade, substituindo, por agora, aquelas adolescentes ou jovens adultas de corpos divinos que representaram Intimissimi até hoje.   

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