Opinião
[754.] Opel, Land Rover, Yamaha, Mitsubishi, BMW
Imagine-se a inutilidade da despesa: comprar hoje um BMW X3 "a partir de 49.000€" para morrer, seja amanhã porque acaba o mundo, seja hoje, dada a tendência suicida que o texto e a imagem incutem no observador.
Os novos modelos de Opel Astra e Corsa chamam-se Black Edition. Apresentam-se numa campanha baseada quase só a preto e branco, as cores do chique, do luxo, da classe, do realismo. Nos anúncios, estes carros da edição "black" apresentam-se, por todos os lados menos na capota, pintados de "white". Muito original.
Muitíssimo original é o texto dum anúncio do novo Range Rover Velar. Pela enésima vez, os publicitários deram a volta à cabeça e acabaram no mesmo ponto: na compra baseada tanto na razão como na emoção: "Algumas pessoas preferem ouvir a cabeça, outras o coração." Cá está a tremenda originalidade: cabeça em vez de razão, coração em vez de emoção. Adivinha-se o resto: "Com o Novo Range Rover Velar podemos dar-nos ao luxo de ouvir os dois." O "Novo" em maiúscula também é original. Com maiúscula, novo mais novo não há.
Razão, emoção… Como repetir esta ideia? Fará este desafio parte dos cursos de publicidade? Reencontramo-lo num anúncio da nova XMAX 125 de Yamaha. Os criativos foram ao dicionário de sinónimos e encontraram "need" e "desire", "necessidade" e "desejo". Gostei do arranjo gráfico. Dividida ao meio, a imagem é dum lado diurna, mas totalmente cinzenta e o meio relógio em cima mostra que são 08h45, ainda a tempo de chegar ao execrável emprego; a necessidade é associada à porcaria do trabalho diário. A outra metade, a do desejo, está a negro, negro da noite do belo ócio. Em vez do relógio impessoal, eis um meio relógio de pulso, tau!, todo metalizado. A mensagem é de uma novidade extraordinária: a mota dá para andar de dia e de noite.
Os publicitários do novo modelo Eclipse Cross de Mitsubishi também insistiram numa originalidade antiga. A imagem do anúncio mostra o veículo num terreno de terra e, ao fundo, sem lógica, uma grande cidade. Mensagem do costume: dois em um; é um SUV Coupé, quer dizer, cidade e campo; não é preciso comprar um veículo para cada situação. Este diz logo no slogan "cross the limits" e, reiterando, diz no título português que "o desafio é real." Será o desafio ter a coragem de comprá-lo? Mais abaixo, passamos para o plural: "Os desafios são reais", mas não especificados, que o texto equipara a "todos os obstáculos" que o Eclipse Cross permite "ajudar a ultrapassar". A tradução em letras pequeninas de "cross the limits" é curiosa porque os limites (e os desafios), que eu julguei das estradas e caminhos, são, afinal, meus: "Supere os seus Limites." O carro permite-me, pois, evitar treinos físicos intensos e consultas no psi: é comprá-lo e supero os meus limites - enormes, a avaliar pela maiúscula usada pelos publicitários.
Range Rover, Mitsubishi e Yamaha estão parados nas imagens dos anúncios, mas o novo BMW X3 contorna uma curva na estrada de terra à beira dum precipício em alucinante velocidade. Sugere-me essa loucura? Só mesmo se o mundo estiver a acabar, hipótese que o anúncio não só não descarta como me grita em letras grandes: "Se o mundo acabasse amanhã, até onde iria hoje?" Francamente não sei. Sou mais do género de ficar em casa se o mundo acabar amanhã.
Que pensamento originou esta ideia absurda para o anúncio? Há sempre a hipótese n.º 1 da publicidade: chamar a atenção a todo o custo, por mais tolo que seja o processo. Neste caso, imagine-se a inutilidade da despesa: comprar hoje um BMW X3 "a partir de 49.000€" para morrer, seja amanhã porque acaba o mundo, seja hoje, dada a tendência suicida que o texto e a imagem incutem no observador: àquela velocidade, naquela curva, um tipo mata-se.