Opinião
[747.] Publicidade para os mais velhos
Não admira que a programação televisiva envelheça com a população. Nascida no século XX, a população idosa está umbilicalmente ligada aos media rádio e televisão, enquanto as crianças e os jovens nasceram sob o signo da internet e do telemóvel.
Anúncios de aparelhos auditivos. Anúncios de elevadores para escadas. Anúncios de prevenção de aumento de volume da próstata. De dores nos ossos e articulações. Contra doenças. Anúncios de suplementos alimentares. Anúncios de fraldas para adultos. A publicidade está a envelhecer ao mesmo ritmo da população - e da televisão.
Nestes primeiros meses de 2018, a audiência média total de televisão, incluindo generalistas, cabo e outros, não chega a dois milhões (1.986.700). O défice de audiência vai aumentando à medida que diminui a idade. Dos 65 anos para cima, a audiência média é de 547 mil, sendo de 320 mil dos 4 aos 24 anos. A audiência corresponde ao perfil etário da população: são mais os portugueses com idade superior a 64 anos (acima de dois milhões) do que as crianças dos 0 aos 14 anos (1,6 milhões).
Não admira que a programação televisiva envelheça com a população. Nascida no século XX, a população idosa está umbilicalmente ligada aos media rádio e televisão, enquanto as crianças e os jovens nasceram sob o signo da internet e do telemóvel. Os operadores de TV, em especial os generalistas, não podem apresentar conteúdos ofensivos para os mais velhos, sob o risco de os perderem como fiéis espectadores. Os jovens, com a sua cultura própria, viram costas à televisão. A frase "mãe, deixa-me ver televisão" foi substituída pela frase "mãe, mas eu não quero ver televisão, quero ir para o YouTube".
A publicidade nos intervalos dos generalistas tem por isso de adaptar-se ao público que a vê. Mesmo assim, ainda tem a marca "generalista", com anúncios para públicos jovens ou adultos e mesmo para produtos destinados a crianças, dado que a televisão permanece o media que consegue reunir mais pessoas em simultâneo, sendo por isso essencial para inculcar um novo produto nos espíritos do maior número. Todavia, vai aumentando a quantidade de anúncios destinados aos mais velhos. Por exemplo, há um anúncio televisivo de Acústica Médica referente ao envio gratuito de um "Guia dos Zumbidos" que refere especificamente ser a oferta "para maiores de 60 anos". Os modelos deste tipo de anúncios são pessoas aparentando precisamente 60 anos, pois já não são "jovens" adultos nem são ainda "idosos". Mas há excepções, como a presença da octogenária, mas activa Simone de Oliveira na publicidade de Calcitrin.
Vai sucedendo o mesmo processo na imprensa em papel. Para os mais novos, a ideia de "comprar um jornal" tornou-se absurda, obsoleta, até ridícula: para quê, se ele está online e o que lhes interessa é grátis? Deste modo, a publicidade de produtos para os mais velhos começou a conquistar as páginas dos jornais impressos. Estas tendências são mais ou menos lentas, mas há um momento em que se entra em colapso se nada mudar. Portanto, a previsão de que os jornais em papel têm um período de vida de, por exemplo, mais 15 anos no máximo não é uma profecia malévola. As publicações periódicas em papel tornar-se-ão produtos de luxo, como já sucedeu com outros.
O afastamento dos jovens dos ecrãs de televisão e da imprensa impressa não significa que se dedicam menos à leitura ou aos conteúdos televisivos. Quanto à leitura, fazem-no de modo disperso e fragmentário, o que não parece ser bom, mas, pelos dados que tenho visto ou recolhido, os jovens lêem hoje mais do que antes. Quanto ao contacto com conteúdos televisivos, fazem-no por outros meios, em operadores como a Netflix ou em redes sociais, mas ainda também através do televisor, como indicam os dados da audimetria que indiquei acima.
É certo que nos intervalos generalistas (ainda) há anúncios para públicos mais jovens, mas parece acentuar-se uma divisão social-mediática em mundos paralelos, cujos públicos raramente se cruzam, talvez quando há um grande jogo de futebol ou outro grande evento de entretenimento.