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[669.] Nivea

O anúncio "Night" do creme Nivea faz agora dez anos. É tão bom que merece a comemoração do seu décimo aniversário.

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Raramente se vê um anúncio tão perfeito. Ele obtém a máxima eficácia através da simplicidade máxima. É da autoria de uma agência publicitaria holandesa. Julgo que não teve utilização em Portugal; a sua qualidade extraordinária justifica que continue como exemplo em inúmeros sites na internet.

 

Tão simples que aflige. Mostra apenas um clássico boião do clássico creme branco da marca. O boião está aberto. A tampa está sobre o boião, aguentada em posição horizontal por alguma coisa por baixo. O fundo é todo da mesma cor, da mesma cor da tampa do boião. Não há dizeres, frases, explicações, elogios. Apenas uma palavra: "night", sobreposta sob o nome da marca na tampa do boião. De tal forma a palavra está bem colocada na tampa que nem parece acrescentada à clássica lata. Mas essa palavra é a essência da natureza publicitária da imagem. É, substituindo-o, o título do anúncio. É a propaganda publicitária: diz que o creme é bom para usar à noite.

 

E é a noite, aqui uma noite artificial, que o anúncio mostra. A lata é escura como a noite. O fundo é escuro como a noite. O creme é branco como pode ser a luz da Lua. E a colocação da tampa sobre a caixa do creme cria a imagem de uma Lua em quarto minguante. Que seja minguante, é indiferente, porque a imagem mostra o "C" de crescente, mostra o movimento da Lua ao contrário do que é, aumentando da  esquerda para a direita, no sentido da leitura. Se a publicidade é mentirosa, desta vez pode sê-lo porque, como aprendi em criança, a Lua é mentirosa: decresce quando mostra o C de crescente. Com a tampa sobreposta, não só se criou a imagem da Lua como se sugeriu o seu movimento (se bem que ao contrário). Haver movimento nesta imagem tão simples é obra. E é um movimento lento. Calmo como o da Lua, calmo como se quer a noite. E é um movimento ascendente: a tampa está acima do eixo horizontal para simular a ascensão, a qualidade positiva do movimento.

 

A imagem tem um pouco de "trompe l'oeil", o estilo de pintura do século XVII em diante que tentava enganar o observador no primeiro olhar, convencendo-o de que a imagem não era imagem, era parte do mundo comum e não do mundo da pintura. Quando se vê pela primeira vez o anúncio, encontra-se de imediato a imagem de todos conhecida da Lua no céu escuro. E, décimos de segundo depois, verifica-se que não é a Lua mas a lata de Nivea. Através do "trompe l'oeil", os publicitários conseguem agarrar o observador, aguentar o seu olhar, e dar-lhe o prazer de descobrir o engano e de sorrir para si mesmo.

 

A beleza desta aparente simplicidade é criar significados adicionais no observador. Há uma metáfora, uma identidade imaginária atribuída à lata aberta: o creme é a Lua, é a noite, o repouso, o descanso, o sono. Há outra metáfora: o creme é a luz suave da Lua, a única luz na noite. Há uma outra metáfora, mais completa, com a acção que as metáforas tantas vezes representam: abrir a lata de Nivea é dar luz ao seu rosto, ao seu corpo.

 

A composição é perfeita. A lata de Nivea está no centro do rectângulo. Como a palavra "night" foi inscrita na tampa, não há mensagens escritas adicionais a "sujar" o espaço da "noite" que ocupa toda a superfície. Esta higiene da imagem não só sugere a qualidade do produto como corresponde ao facto de a embalagem do creme ser um clássico da indústria e da marca.

 

Dão-se alvíssaras a quem conhecer um anúncio ao mesmo tempo tão simples, tão eficaz - e tão complexo em resultado da sua inteligência. Fica o meu email à disposição:

 

eduardocintratorres@gmail.com




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