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[666.] Anúncios de relógios

Os anúncios de relógios asseguram-me que a espuma dos meus dias me andou a enganar e o mundo não mudou assim tanto, nem nada que pareça. Numa estranha ironia, há anúncios de relógios que pararam no tempo.

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Não são apenas os modelos dos relógios que são os mesmos ou quase. São os próprios reclames, que se repetem ano após ano. É ver o de Longines, com o actor Simon Baker e o de Patek Philippe, que insiste no título "Nunca somos verdadeiramente donos de um Patek Philippe. Apenas cuidamos dele para a geração seguinte." O slogan é bom; já o analisei nesta coluna há anos. Tão bom que, como os relógios da marca, passa para a geração seguinte de publicitários.

 

Os de Rolex vão no mesmo sentido: é repetir a bela imagem do mostrador, ou do mostrador e da correia e já está. A mensagem escrita é semelhante à de Patek Philippe, mas sem as metáforas e narrativas. Diz a publicidade que "um Rolex é mais do que um relógio. É um investimento (…), nunca perde o seu valor." Cá está: passa para a geração seguinte, como uma moeda de ouro ou um diamante.

 

O anúncio de Franck Muller, marca suíça, não se preocupa com mensagens escritas: mostra um relógio em grande dimensão e, por trás, o mesmo mostrador em gigantesca dimensão; nem cabe na página de uma revista grande. Para o ver assim, só levando uma lupa à relojoaria. A marca italiana Panerai segue o mesmo caminho, mas mostra em fundo, em tamanho apenas aumentado, o mecanismo interno da máquina apresentada em primeiro plano. Um slogan em italiano, sem a obrigatória tradução, pretende valorizar o produto pela origem.

 

Muito palavroso é o anúncio de IWC, mas tem espaço para isso em duas grandes páginas ilustradas com o céu estrelado, um monomotor e, claro, em grandeza desproporcionada, o relógio. A marca tem direitos para usar "O Pequeno Príncipe", um dos livros mais perenes do século XX, de Antoine de Saint-Exupéry, escritor e aviador. O modelo é "o Grande Relógio Aviador Edição 'Le Petit Prince'", que inclui uma imagem do Principezinho no reverso da caixa do relógio. O texto anda à volta do autor, do livro e do seu protagonista, transferindo as suas qualidades para o aparelho. Chama a atenção que no céu estrelado os astros digitais formem a imagem da capa do livro, o pequeno príncipe num pequeno planeta. O título do anúncio não poderia ser muito diferente do que é: "Concebido para homens que voam com os seus sonhos." Para não sobrarem dúvidas de que não é para crianças, a marca tem um slogan tira-teimas: "IWC. Concebido para homens."

 

Homens de barba rija são também os destinatários de um anúncio de Casio aos seus "relógios para profissionais duros", frase em inglês sem a obrigatória tradução. A palavra "duros" vem em tipo de letra bold. Os publicitários gostam, repito, que não sobrem dúvidas. Tanto mais que os modelos são apresentados como "G-Shock dureza absoluta", também em inglês. Já em português, entramos no que poderia ser uma frase da política: "É tempo de assumir uma posição." Qual posição? Em letras pequenas, o texto diz que "há aqueles que procuram sempre desculpas". Decerto não são os leitores do anúncio. Porque há os outros: "E há alguns que não perdem uma oportunidade de mostrar de que são feitos. Quer seja em ar, terra ou num mar revolto." Os três modelos da Casio são para eles: "A colecção Master of G é feita para os que afirmam a sua posição." A originalidade do anúncio é que em vez do habitual três em um, regressa ao clássico três em três: há um relógio para andar no ar, outro no mar, outro em terra (mas em lama, o Mudmaster). Portanto: se és um dos poucos homens a sério (só há "alguns"), mete-te em aventuras (assume uma posição), e hás-de merecer este relógio. Ou queres ser como "aqueles"? 

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