Opinião
[596.] Range Rover Evoque, Opel Corsa
Os publicitários do Range Rover Evoque abriram o reclame com uma frase que consegue ao mesmo tempo chamar o observador para dentro dele e fazer uma boa ligação à imagem: "O primeiro olhar é tudo".
A frase remete para as frases feitas "amor à primeira vista" ou "não há segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão". A frase foi estrategicamente colocada no topo superior esquerdo, onde se começa a leitura das imagens. Só depois o observador olha com atenção para a foto, que ocupa toda a área da página.
A foto segue um esquema habitual da publicidade automóvel: está entre o desfocado e o tremido, enquanto o carro está focado, ou quase focado: para que o observador o possa apreciar, toda a parte central está focada, enquanto a dianteira, a traseira e as rodas "tremem" o suficiente para denotar movimento. A imagem é simétrica, para criar harmonia e permitir que o carro fique exactamente a meio, mas a simetria é descompensada com o movimento aparente de toda a foto: o carro está em andamento, sugerindo velocidade e o momento decisivo do "primeiro olhar"; as arcadas dalguma cidade italiana deveriam estar focadas, pela lógica da técnica fotográfica, mas o anúncio "treme-as" para sugerir de novo esse movimento do carro e do "primeiro olhar", de alguém que o vê de repente e se fixa nele, numa relação amorosa "à primeira vista".
Como os publicitários gostam de evidenciar as suas intenções, a situação de "primeiro olhar" é mostrada com a inclusão dum homem que vai na rua e olha de repente para trás, para o carro. É o público-alvo: jovem, "fardado" à empregado dinâmico, de calças escuras, camisa branca, blazer na mão. Está de saída da foto; mais uns décimos de segundo e desaparecia atrás das arcadas. O observador é convidado a ser aquele passante que dá o "primeiro olhar" ao veículo. Só depois olhará para o preço, estrategicamente indicado em letras com menor destaque sob a frase de entrada: "Desde 44.000€". Se continuar interessado, lerá as características do carro, em letras pequenas no fundo do anúncio. Ficará a saber, aí, que "o veículo apresentado pode ser diferente da imagem". Perguntar-se-á: "apresentado" onde? Na própria imagem? E "diferente da imagem" ou "do da imagem"? Fica sem respostas.
A campanha do novo Corsa da Opel centrou-se em três letrinhas apenas, ou duas letras e um sinal de pontuação: "OH!". Tanta esperança depositaram os publicitários no "OH!" que o anunciaram antes de divulgarem a que produto correspondia. O "OH!" não é muito diferente do "primeiro olhar". Aliás, o som "ó" também se encontra em "olhar". A exclamação da campanha do Corsa também convida a olhar, a extasiar-se com o utilitário da Opel e convida a prolongar o som "ó" com a segunda sílaba do nome da marca alemã: "Oh-pel". O público-alvo achará adequado tamanho "OH!", enorme, quase do tamanho do carro no anúncio, um exagero próprio da publicidade. O anúncio em análise justifica esse exagero com a frase "Até estaciona sozinho" por baixo da exclamação. Faz aqui a diferença o "até", palavra cada vez mais usada no jornalismo e, como se vê, na publicidade. Permite exprimir subliminarmente uma opinião com um vocábulo curto, vulgar e tão inclassificável (advérbio? preposição?) que a Nomenclatura Gramatical Brasileira a remeteu para o grupo das "palavras denotativas". Este "até" denota inclusão, levando ao limite a ideia de "também", mas esta palavra falharia o sentido de intensificação: "Também estaciona sozinho" soa a menos do que "até estaciona sozinho". Na foto do anúncio, o carro está estacionado, como o revela a pintura do lugar no asfalto. Não tem condutor: estacionou sozinho. Oh!
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