Opinião
[578.] iRobot, Euromilhões, Toshiba
A ver se percebo a aplicação da gramática do português neste anúncio: "Porque eu adoro uma casa limpa, não limpar a casa." Publicita o "novo robot aspirador iRobot Roomba" que, depois de ligado, não precisa de acompanhamento para ir aspirando o chão.
A montagem fotográfica é boa: uma imagem tirada de debaixo do chão, transformado numa superfície transparente, mostra a base do aparelho, para que se perceba o seu funcionamento, e uma mulher (porque a ela se atribui a aspiração), descalça (de tal forma o chão está limpo pelo iRobot) e trazendo numa mão uma caneca (está em lazer). A base do aspirador está quase toda à vista, mas cerca de um quarto sobrepõe-se a um tapete, para sugerir que o aparelho sobe obstáculos. O fundo branco, que se assume ser o chão da casa da mulher, transmite pureza e, portanto, limpeza.
Na frase é que o anúncio se suja: por mais que eu tente, não consigo perceber a gramática e, assim, o sentido. Quer dizer "Porque eu adoro uma casa limpa, não limpo a casa"? Ou, melhor ainda, "Como adoro a casa limpa, não limpo a casa"? Sendo estas e outras opções tão óbvias, simples e gramaticalmente limpas, porque recorreram os publicitários a um português errado, sujo e macarrónico?
Adiante. O anúncio de imprensa do Euromilhões, com correspondência na TV, mostra um homem e uma mulher jovens, sorridentes, abraçados e pousando para a fotografia do anúncio numa casa que sugere riqueza. O homem indicia um bimbo, com o seu bigode farfalhudo (identificar-se-ão os leitores de imprensa com ele?). A rapariga, mais alta do que ele, traz um vestidinho para mostrar as pernas, indiciando a "gaja boa".
Sendo o anúncio sobre os "excêntricos" criados pelo Euromilhões, o texto é irónico: "Há coisas que não vão mudar. Para a tua mãe, a tua namorada nunca será perfeita." Pressupõe-se o muito que muda para o "excêntrico", como a casa e a namorada. São esses "bens" que mais contam para a mensagem. Mas a "mãe" dele é o isco para a tentativa de humor na narrativa e para sugerir uma certa continuidade na vida, necessária aos excêntricos: a relação familiar, os atavismos das mães a respeito das companhias dos filhos. Para o anúncio chegar a ter humor, não podia entrar numa de "sogra", pois pretende atingir um público masculino jovem, a quem trata por tu e a quem fala de namoros, não de casamentos, para atrair essa franja da população que talvez seja a que menos despende com este jogo de sorte ou azar; ou então foi mera coincidência. Em qualquer caso, o esforço para ter piada deu um tom barroco à mensagem, mais forma do que conteúdo, mais barroco do que a sala de estar do rico excêntrico de bigode.
E porquê o monte de bonecos articulados usados em testes automóveis num anúncio do computador "Satellite Pro R-50B" da Toshiba? "Testado, fiável, com garantia", diz o slogan. O monte de bonecos é enorme. Dado que a montagem fotográfica coloca mesmo ao lado um exemplar do computador, os bonecos parecem pequeninos, ou talvez sejam, não sei. Mas fica um bocado nojento e incompreensível, porque os testes de computador não têm relação com os bonecos. Acho que a mensagem que se pretendia transmitir é a de que o computador foi muito testado, mas, para lá chegar, demorei. Suponho que muitos leitores virem a página do jornal sem se preocuparem em tentar analisar uma mensagem publicitária "inconseguida", para citar a nossa inconseguida presidente do parlamento.