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[559.] "Somos Todos Macacos"

A campanha "Somos Todos Macacos", assim como nasceu, assim morreu. Vale a pena reflectir sobre ela.

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No final de Março, um adepto do Espanyol lançou uma banana em direcção a jogadores do Barcelona, Neymar e Dani Alves, que não se aperceberam. Depois de saberem do caso, Neymar contactou a "agência de comunicação" Loducca, para esta encontrar meios de reagir a manifestações racistas. A agência decidiu que Neymar comeria uma banana que lhe fosse lançada. Pormenor importante: não está esclarecido se a banana seria lançada por alguém contratado pela agência ou se a campanha esperaria que algum adepto a lançasse. A campanha estaria para começar quando, um mês depois, um adepto do Villarreal lançou uma banana a Dani Alves, que a comeu antes de bater um canto. O gesto racista levou a agência a desencadear de imediato a campanha do seu cliente Neymar, sob o lema "Somos Todos Macacos".

 

A campanha gerou uma resposta massiva nas redes sociais, com muitas "selfies" de pessoas comuns com bananas, mas não só: a presidente brasileira e o primeiro-ministro italiano, entre outros, apoiaram a iniciativa anti-racista atribuída a Neymar.

 

Só no final de Abril foi revelado pela revista Veja que se tratava de uma campanha (paga por Neymar?) de marketing político, orquestrada pela agência. O publicitário disse à revista: "Tentar desmerecer o movimento pelo facto de ter uma agência por trás é tão preconceituoso quanto o adepto que lança a banana. Porque não podemos ajudar com uma ideia? Não é uma campanha para vender nada. Fizemos conforme a necessidade do Neymar de mostrar que o racismo é uma situação completamente absurda. E deu certo".

 

Mas deu mesmo? Muitas pessoas apoiaram a iniciativa anti-racista. O adepto do Villarreal que lançou a banana foi irradiado para sempre do clube e do estádio. O novo alerta contra o racismo terá inibido os racistas de actos indignos em público.

 

Mas a campanha morreu. Porquê? Pelos outros não posso falar, mas eu senti-me enganado. Haver uma empresa "por trás" da iniciativa não é condenável, mas é condenável não se saber. A autoria de mensagens políticas, mesmo se produzidas por empresas comerciais, deve ser identificada. Essa é a falha ética desta campanha. Não foi Neymar quem a fez, foi uma agência de publicidade. Depreende-se da citação do publicitário que a agência seguiu a ética utilitarista, segundo a qual os fins justificam os meios se os fins forem benéficos. Nem todos, porém, adoptamos a ética utilitarista, preferindo a ética kantiana, segundo a qual os nossos actos devem ser praticados como se pudessem transformar-se em leis universais. Não é o caso.

 

Terá sido por isso que a campanha morreu rapidamente? Terá sido porque uma causa ética genuína, o anti-racismo, foi manchada pela ocultação da sua origem publicitária? Na verdade, o caso mostra como hoje tudo, até o anti-racismo, pode ser pensado e criado nos termos de marketing, em vez de resultar de uma acção genuína. Na profissionalização crescente da comunicação, o problema não reside aí, pois, não sendo Neymar especialista em comunicação, recorreu a publicitários. O problema está apenas na ocultação da agência, misturando uma acção de marketing com uma causa pública das mais dignas. E mais: ao ser transformada em campanha de marketing, a campanha adquire o carácter efémero da publicidade. Não tem militantes dedicados no tempo, tem marketeers que passam à campanha seguinte uma semana depois.

 

Outro problema reside na qualidade do lema ou slogan: "Somos Todos Macacos" é muito mau. Aceita que a banana é um símbolo racista e que visava chamar macacos a jogadores não-brancos, e tenta a reviravolta ao insulto transformando-o num elogio. É um slogan vazio e cuja eficácia, se funcionou num primeiro momento junto dos anti-racistas, poderá não ter funcionado junto daqueles cuja atitude seria realmente preciso mudar, os racistas. 

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