Opinião
[539.] The Famous Grouse
Enquanto não vir esta fotografia "fotoshopada" como publicidade paga num jornal, num site informativo, num mupi ou num billboard não acredito que se trate de um anúncio. É apenas uma acção de marketing quase gratuita que aproveita a boa vontade dos media legítimos para publicitarem em notícias, à borla.
Mas isto é mesmo uma "campanha", como dizia a notícia do Diário de Notícias? O jornal afirmava que "uma das imagens da campanha" de personalização de rótulos da marca de whisky The Famous Grouse "pode ser vista por cá como um piscar de olho" a Pedro Passos Coelho e a António José Seguro. A fotografia da notícia mostra dois pares de mãos femininas segurando garrafas da marca com o nome da marca alterado para "The Famous Tozé" e "The Famous Pedro".
Nos sites internacional e português da marca não aparece nem esta nem nenhuma imagem semelhante ao "anúncio" mostrado no Diário de Notícias. Os sites convidam os maiores de 18 anos a mandarem fazer um rótulo dedicado, substituindo "grouse", a ave galinácea do nome da marca, por outra palavra. Não pode ser qualquer uma, todavia, pois o site só aceita nove caracteres. Se o leitor ou a leitora se chama Bernardino ou Maria da Conceição, esqueça: este Natal não poderá receber "The Famous Bernardino" ou "The Famous Maria da Conceição". Por essa razão, também não poderia ser António José. Os "publicitários" tiveram de recorrer ao diminutivo do líder do PS.
O site também convida a colocar um "nome" "pré-defenido", o que também não ajuda nada. Primeiro, porque "definido" está mal "escrevido": é "definido", pá! Segundo, porque o que se escolhe não é um nome, mas uma relação familiar. Terceiro, porque a escolha é limitada: pai, mãe, irmão, sogro, sogra. Faltam irmã, avô, avó, cunhado, cunhada, bem como amigo ou amiga, namorado ou namorada. O site em inglês da marca tem relações familiares diferentes: irmão, irmã, papá, mamã, vovô e vovó (brother, sister, dad, mum, grandad, grandma). Nada de sogro ou sogra!
Há outra enorme diferença: no site português encomenda-se só o rótulo; no site em inglês encomenda-se o rótulo — na garrafa (a língua inglesa não tem a troika em casa, como nós).
E o tal "anúncio"? Ainda não o vi em nenhum media, como publicidade. Apenas o vi na notícia do Diário de Notícias. Será um anúncio? Analisemo-lo, finalmente.
O que se vê na foto não parece um anúncio. É uma imagem fabricada com pouco cuidado. Não tem o logótipo da marca num espaço livre, como acontece na publicidade. Os rótulos estão desfocados. Porque será? A meu ver, é fotoshop. De facto, trata-se de uma fotografia usada duas vezes, invertendo-a. As mãos são as mesmas segurando a garrafa a oferecer ao "Tozé" e a garrafa para oferecer ao "Pedro": bem sei que o "Tozé" e o "Pedro" são duas faces do mesmo Bloco Central, mas na publicidade dá gosto ver as coisas mais bem feitinhas. Ao inverter-se a imagem, tornou-se necessário o recurso ao fotoshop para colocar o rótulo na posição correcta.
Resultou uma imagem totalmente simétrica, para colocar os líderes do PS e do PSD em pé de igualdade visual, mas em publicidade nunca se recorre a uma simetria total, a qual acrescenta aos reclames uma sensação de irrealidade que não interessa passar aos observadores.
Enquanto não vir esta fotografia "fotoshopada" como publicidade paga num jornal, num site informativo, num mupi ou num billboard não acredito que se trate de um anúncio. É apenas uma acção de marketing quase gratuita que aproveita a boa vontade dos media legítimos para publicitarem em notícias, à borla, iniciativas a que se cola, à partida, o selo de "polémicas". Esta não causou qualquer controvérsia, nem se tornou viral. Mas a notícia apresenta a imagem como "anúncio". Isso, sim, é polémico: engana jornalistas e engana leitores.
E já agora: não chega de "campanhas" pseudo-divertidas recorrendo à política?