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03 de Dezembro de 2013 às 00:01

XII – A Irlanda e Nós

Não são de esperar grandes saltos qualitativos nos próximos meses, nem no processo de criação da União Bancária, nem na activação de um mecanismo dirigido à estabilização da dívida soberana na Zona Euro.

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1. A Irlanda surpreendeu os investidores e a Europa ao anunciar o regresso pleno aos mercados, sem assegurar qualquer tipo de mecanismo ou Programa de Apoio.

Como ninguém salta só com um pára-quedas se puder contar com um de reserva, esta decisão indica que o Governo irlandês não aceitou a condicionalidade que lhe estava a ser proposta ou imposta pelos Países Credores.

A ser assim, ela torna mais difícil e complexa a gestão do processo de retorno aos mercados da nossa Economia, além de reflectir as incertezas e dificuldades com que a União Monetária Europeia continua a debater-se.

A Europa do Euro tem, de facto, vindo a arrastar penosamente o processo de Reforma da plataforma jurídico/institucional em que assenta a organização e o funcionamento da União Monetária. Com um novo governo na Alemanha ainda dependente de um referendo e a Comissão em final de mandato, não são de esperar grandes saltos qualitativos nos próximos meses, nem no processo de criação da União Bancária, nem na activação de um mecanismo dirigido à estabilização da Dívida Soberana na Zona Euro. Mecanismo que depende da acção de Instituições e da utilização de instrumentos que na verdade já existem ou que poderiam ser facilmente activados: intervenção no mercado de Dívida Soberana de curto prazo através das OMT (Outright Monetary Transactions) por parte do BCE e nos mercados de médio e longo prazos por parte do ESM (European Stability Mechanism) – directamente ou através de linhas de crédito a utilizar pelos Países interessados.

Como se verificou quando Mario Draghi do BCE anunciou as OMT, é aliás de crer que bastaria o anúncio da operacionalização deste mecanismo para estabilizar o mercado da Dívida Soberana na Zona Euro e deste modo apoiar, no regresso aos mercados, as Economias Devedoras que executassem os Programas de Ajustamento a que se haviam comprometido. No entanto, o Acordo entre o SPD e os Partidos que apoiam a Chanceler Merkel parece indicar que a posição alemã sobre a mutualização da Dívida Soberana não vai mudar.

2. A verdade é que a decisão corajosa da Irlanda, não sendo isenta de riscos, coloca igualmente a Europa do Euro perante um dilema. Deixa este País, que no essencial cumpriu o Programa que lhe foi imposto, entregue a si mesmo e aos movimentos especulativos dos mercados, com o risco de se ver perante uma nova crise, ou avança com as Reformas necessárias à estabilização dos mercados financeiros? O Governo irlandês que acumulou reservas que asseguram as suas necessidades de financiamento para 2014 e parte de 2015, parece favorecer este cenário.

Neste contexto, em que posição fica a nossa Economia, a seis meses do final do Programa de Apoio? Podemos, com um risco controlado, seguir a Irlanda e deste modo contribuir para aumentar a pressão sobre as Economias Credoras, para que avancem com as Reformas necessárias? Infelizmente temos de reconhecer que não nos encontramos na situação da Irlanda.

Além das diferenças estruturais entre as duas Economias – na irlandesa as exportações são o motor central do crescimento (mais de 100% do PIB) – a grande diferença resulta da pressão que Portugal vai ter de fazer sobre o seu mercado da Dívida Soberana, em 2014 e 2015. Nestes dois anos as necessidades previstas de financiamento ultrapassam os 25 a 30 biliões de euros, o que significa uma clara vulnerabilidade e exposição à imprevisibilidade e às oscilações dos mercados financeiros.

Se tivermos ainda presentes as modestas expectativas de crescimento que, além do controlo do Déficit Público, continuarão a ser determinantes no peso da Dívida e na evolução da situação fiscal, compreendemos a amplitude dos riscos que correríamos num regresso aos mercados sem uma rede de apoio (seja ela um mecanismo do tipo referido ou um Programa específico). O que fazer então nestas circunstâncias?

Num País em que as preocupações sobre o nível de desemprego e a perda de soberania fossem dominantes, os Partidos do arco da governação estariam sobretudo preocupados com a procura de uma plataforma de consenso sobre os problemas que enfrentamos: a curto prazo, chegar ao fim do Programa de Ajuda cumprindo, no essencial, os compromissos a que nos obrigámos (por razões que abordei no último texto que publiquei nesta coluna); a prazo, lançar um Programa dirigido aos dois problemas centrais com que a nossa Economia se debate – assegurar a sustentabilidade das funções sociais do Estado e melhorar a competitividade externa da Economia, de modo a aumentar a produção de transaccionáveis e a atrair investimento – questão por sua vez crucial para aumentar o potencial de crescimento da Economia Portuguesa e absorver desemprego.

É pedir muito, face à crescente complexidade da situação política? Talvez seja, mas sugiro que se pergunte aos desempregados ou aos que se debatem com a insolvência e a pobreza.

Economista

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