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João Quadros - Argumentista 04 de Setembro de 2015 às 10:43

Uma tarde no Ikea

Não sei a situação do estimado leitor, mas eu ainda estou de férias. Vou corrigir, estou de férias, com excepção desta crónica e uma tarde a trabalhar no Ikea.

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Não sei a situação do estimado leitor, mas eu ainda estou de férias. Vou corrigir, estou de férias, com excepção desta crónica e uma tarde a trabalhar no Ikea.

Volto, portanto, à crónica em que relato uma experiência passada por mim nestas férias, neste quente Verão, apesar do evidente insucesso do género. Sei que arrisco ser acusado de xenofobia de mobiliário e de piadas com cadeiras, mas vai ter de ser.

Atenção, não vejam esta crónica como uma crítica a quem lá trabalha, pelo contrário, tenho o melhor a dizer dos empregados do Ikea, que são simpáticos, profissionais e educados (pudera, se somos nós que fazemos metade do trabalho). Também não digo isto porque estou à espera que me entreguem em casa mobília um dia destes. O que me irrita no Ikea não é o pessoal, ou até a loja, é o conceito em si.

Esta semana, passei uma tarde a tirar e a acartar pedaços de mobília ao longo de prateleiras de corredores do Ikea (aquilo é mobília que foi atropelada), com pesos que oscilavam entre vinte quilos e meia tonelada. Merecia ser funcionário do mês. Infelizmente, não pude concorrer porque era cliente.

"Um génio e não sei quê, um sueco ficou rico com esta ideia fabulosa do Ikea". Ficou, como ficaram ricos os indivíduos que tinham escravos e plantações de algodão. Dá muito jeito não pagar mão-de-obra. O Ikea é como o bife na pedra, estamos a fazer o trabalho de alguém daquele estabelecimento.

É verdade, o preço é excelente e o design é giro (na verdade, tenho medo de metade dos designers que aparecem nas fotos), mas sabemos que dura pouco e é feito em série e com material barato. Isso justifica o baixo preço, escusam de me mandar ao armazém buscar o material. Não faz sentido que essa descida de preço seja paga com o suor do rosto do cliente. Pelo menos, podiam perguntar, como eles perguntam no Brasil nos passeios de asa delta: "Quer a mobília com emoção ou sem emoção?", e quem queria com a emoção de ir procurar peças para corredores, e fazer halterofilismo com estantes, até podia pagar menos, ou mais.

Nunca gostei de "rally-paper". Muito menos em ambientes fechados. E, aqui para nós, se eles avaliam o trabalho de montagem naqueles valores, imaginem quanto valeu o meu trabalho de carregar aquilo tudo!

Tirando esta parte do trabalho escravo, o resto são pormenores, mas já paravam de chamar à mobília coisas como Hoghavarth. Chamem Toni, é mais fácil de decorar e escrever naquela folha com aquele lápis para anões (aposto que há portugueses que fizeram camas e armários só com lápis que trouxeram do Ikea). Ainda por cima, o raio da folha vai ficando furada porque tivemos de escrever em cima de um colchão. O inferno não são os outros, o inferno é o Ikea.

Fui só com o meu filho mais novo ao Ikea, mas era fácil notar os focos de guerra entre casais, ao longo daqueles pedaços de lar expostos. Talvez por estarem no meio de mobília, os casais convencem-se de que ainda estão em casa e começam a discutir como se não houvesse mais ninguém a ver. Também pode ser porque muitos daqueles maridos estão mesmo desesperados, antevendo ter de carregar o equivalente a uma roulotte.

Vejam lá isso, suecos, sirvam chá, façam qualquer coisa pelo sangue latino dos clientes, porque dá a sensação de que, por cada casa que o Ikea monta, há três casais que se separam.


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TOP 5
Para montar

1 Anbang falhou acordo com Banco de Portugal - ainda bem que o Governo reconduziu Carlos Costa com o argumento de que era a pessoa ideal para tratar da venda. Chamem alguém da ERA.

2 Para surpresa geral, no segundo lugar na compra do Novo Banco estavam os chineses da Fosun e não os americanos da Apollo - Carlos Costa é o tipo que vende louro aos jornalistas.

3 Lisboa tem condições para acolher 750 refugiados, diz Fernando Medina - e 2.500 tuk-tuk.

4 "Novo Banco - Prejuízo de 251,9 milhões de euros em seis meses" - o ADN é tramado. Como diz a publicidade: tem as orelhas da mãe, mas as contas são do pai.

5 Papa Francisco permite perdão do aborto por todos os padres no Ano da Misericórdia - isto é tramado para aqueles médicos que recusam e alegam razões de religião, vão ter de substituir por tendinite.

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