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22 de Março de 2013 às 00:01

Seguro e a promessa de um "momento cipriota"

Estando as necessidades financeiras totais acima da capacidade de endividamento dos cipriotas, terão de ser parcialmente satisfeitas com os recursos presentes dos residentes no país.

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Não sabemos ainda, na altura em que escrevo, até onde levará a saga cipriota, que ameaça mergulhar a zona euro no seu maior imbróglio de sempre. A saída do Chipre é uma possibilidade, caso as instituições do país não cheguem a um acordo aceitável para a mobilização de 7.000 milhões de euros, que devem somar ao empréstimo-limite de 10.000 milhões prometido pela «Europa», para suprir as necessidades financeiras do seu programa de ajustamento, onde avulta uma reestruturação do sector bancário. Mas há já algumas lições a tirar. Vão em primeira linha para a oposição que aspira a governar, para a sua maneira de fazer política, com os pressupostos que não explicita –, mas estão lá. 


A primeira, se ainda não soubéssemos, ou andássemos esquecidos, é a de que os parceiros europeus e o FMI não estão dispostos a entrar com recursos para a solução de problemas nacionais, por muito limitado que seja o seu valor absoluto – como no caso de Chipre –, a partir do momento em que se torne demasiadamente óbvio, para eles e os seus representados, que não têm volta. O ponto de partida da troika, para Chipre, foi simples: acima do empréstimo-limite, a dívida pública estaria manifestamente destinada a «quebrar». O limite é a capacidade de pagar do país que recebe ajuda, e não as disponibilidades de quem a pode prestar. Quem o estipula é quem empresta, e não quem se endivida.

Estando as necessidades financeiras totais acima da capacidade de endividamento dos cipriotas, terão de ser parcialmente satisfeitas com os recursos presentes dos residentes no país. Entra o bail-in dos bancos, com confisco dos depositantes e detentores de dívida subordinada. E começa o núcleo do drama.

Confiscar os depósitos seguros (até 100.000 euros) é evitar que o confisco dos depósitos acima desse valor suba tanto, que originaria a debandada dos russos, com um terço dos depósitos no sistema e, com ela, a derrocada do principal pilar da economia cipriota, os serviços financeiros. Mas o que mitigaria o dano à economia merece a condenação universal dos cipriotas, que não vêem porque devem ser obrigados a cobrir as perdas dos bancos. Como os restantes europeus, viviam na ilusão, alimentada pelos seus governantes, de que os empréstimos que faziam aos seus bancos, sob a forma de depósitos, são à prova de risco, ao contrário de qualquer outra aplicação. (Verdade que um confisco geral em nada os instruirá a escolher melhor o banco, pois as perdas, quando chegaram, foram para todos, independentemente da escolha).

Entupidos os vasos comunicantes, salta para a rua a já nauseante figura de Merkel em travesti de Hitler. Numa das fotografias que circulam pelo mundo, vê-se a chanceler, com o bigode da praxe, e o escrito: «Fora do país!», quando o que choca os manifestantes é ela não entrar como gostariam. O que deveria ser um problema doméstico – como distribuir o fardo recusado por terceiros – transforma-se numa condenação destes e num jogo de roleta russa: «Peço a Bruxelas e Berlim, Frankfurt e Washington: não empurrem Chipre para fora do euro, não é o que queremos», ameaça o líder do partido do governo.

Só porque tem consequências, agora, o jogo cipriota difere do «momento» espectacular em que António José Seguro afirmou que «não aceitamos mais nenhuma medida de austeridade». A presunção é a mesma: a de que teria, caso mandasse, poder de forçar o grau em que a economia portuguesa se pode endividar, porque, não tendo o país recursos para se sustentar, sempre pode ameaçar veladamente fazer ruir os que, podendo, se recusam a supri-los na dose desejada. Vocês não têm esse poder, disse a troika, a propósito de Chipre, a todos os seus dependentes.

Alimentar a ilusão contrária faz do PS um partido cada vez mais parecido com o Syriza grego. O melhor que conseguiria, se pudesse, seria levar-nos ao nosso «momento cipriota». Se insistir demasiado na tónica, consegue mesmo antes de chegar a governar. Basta que se torne plausível que esteja perto de lá chegar. Com uma diferença não desprezível: Seguro nem uma pistola russa tem consigo. Só a soberba e o erro são exactamente os mesmos. E a nemesis também seria.

* Jornalista

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