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08 de Março de 2013 às 00:01

Quem traça a linha?

Devemos perguntar-nos se o ajustamento em curso pode levar à superação da crise, sem paralelo na história democrática, o que nos deixa sem modelo de resolução, ou apenas ao seu aprofundamento.

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Infelizmente os problemas são muitíssimo mais sérios do que parecem na ilusão montada pelas oposições, partidárias ou não, às escolhas políticas dos credores e do governo. O mais que nos conseguem sugerir, numa espécie de histeria keynesiana, é um retardamento do restabelecimento de equilíbrios desprezados ao longo de décadas. Como se um ritmo mais pausado ajudasse, por magia, a esse restabelecimento, quando foi exactamente a inércia que os desfez. É a teoria da dose, que aliás ninguém diz qual deveria ser.

De resto, onde não pudemos manter os desequilíbrios, eles refizeram-se. Por força da paragem súbita dos fluxos financeiros do exterior, mediados pelo mercado. No ano fatídico de 2008, tivemos um défice externo de 11,4% do PIB, só um pouco maior do que a média dos quinze anos antecedentes (7,3%). Terminámos 2012 com um excedente inédito na III República.

Uma das maneiras de equacionar a balança externa é como diferença entre a poupança (mais o saldo de transferências unilaterais de capital de, e para, o resto do mundo) e o investimento. O pequeno saldo de transferências quase não variou. A poupança, em proporção do PIB, era, em 2012, ligeiramente superior à de 2008: 12,7% contra 10,6% (de facto era igual à de 2007, o ano anterior ao mergulho na crise). De modo que quase 3/4 do reequilíbrio (7,5 pontos percentuais) exprimem um colapso do investimento e só 1/5 o aumento da poupança, sempre em níveis extraordinariamente baixos. (Restam discrepâncias estatísticas.)

Isto é virtuoso? Inequivocamente, não. O investimento actual não chega sequer para manter o "stock" de capital na economia que, descontado o seu consumo, diminuiu em 2011 e 2012. É a primeira vez que semelhante fenómeno se observa, desde que é possível detectá-lo (1960). "A formação líquida de capital fixo foi negativa". Não é já apenas a economia que não cresce, é a sua possibilidade futura de crescer que está a ser gravemente afectada, pela redução do capital físico, como está a ser pela emigração de capital humano, consequência natural e previsível do ajustamento em moeda única.

Sem crescimento, as consequências no desemprego são trágicas e as tensões políticas potencialmente explosivas. Poder-se-ia antever, porém, uma ruptura momentaneamente mais espectacular. De acordo com o FMI – na "primeira revisão" do Programa de Assistência –, "a trajectória da dívida já não é estabilizável". Um dos principais riscos então identificados estava justamente no crescimento. Ou a economia crescia em média 0,9% ao ano ou mais, de 2013 a 2016, ou a dívida, mesmo com os saldos primários programados, «não estabilizaria e atingiria 124% do PIB» no final do período. Já lá chegámos e, com o crescimento antecipado para 2013 pelo Governo, mais as projecções do FMI para os anos seguintes, o melhor que se consegue obter até 2016 é uma taxa média anual de 0,6%. Fim de partida?

Não. O FMI e os seus técnicos podem sempre refazer, como têm feito, os pressupostos com que sentenciariam que a dívida só pára, se for cortada.

Como nos ensina Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, no seu estudo sobre oito séculos de folia financeira, a distinção empresarial entre insolvência e iliquidez aplica-se mal a soberanos. Há uma zona de penumbra na avaliação da situação onde o que fazer é sempre uma decisão política pura. «Na maioria dos casos, com dor e sofrimento suficientes, um país devedor determinado pode reembolsar os credores externos. A questão que a maioria dos dirigentes tem de enfrentar é a de saber onde traçar a linha.»

A única justificação concebível para manter esta moeda é, agora, não incumprir. Num quadro não democrático, é possível imaginar o prolongamento indefinido da agonia que conservá-la parece implicar. Em democracia, não. "Quem" traça a linha, eis a questão. A democracia nacional é aquilo de que não queremos de modo nenhum prescindir.

Jornalista

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