Opinião
Saúde em Portugal: fardo contabilístico ou ativo estratégico?
Os nossos governantes devem, antes de mais, decidir se a saúde - e a indústria farmacêutica em particular - é apenas um fardo contabilístico ou, mais do que isso, um ativo estratégico e um desígnio para o país.
Inovadora, criadora de valor e credível. Em traços gerais, é esta a perceção que o mundo tem da indústria farmacêutica "made in Portugal". E, tendo em conta a sua natureza fortemente dinâmica e adaptativa e também fatores sociodemográficos inultrapassáveis, este setor poderia facilmente voltar a ascender à liga de "clusters" estratégicos do país. Ora, para que isso se verifique, é essencial recuperar duas premissas de competitividade perdidas nos duros anos da troika: (i) ajustar progressivamente o preço médio dos medicamentos em Portugal aos preços médios europeus (tendo em conta os diferenciais de poder de compra) (ii) recuperar a abordagem bipartida "Saúde + Economia", para resgatar - ou mesmo aumentar - a quota de mercado nacional e a receita fiscal perdida nos últimos anos.
Apesar da contínua resiliência da indústria, a queda de quase 26% no preço médio de medicamentos entre 2010 e 2016 e que levou em grande medida a uma queda no mercado total em valor (PVP) de 14,6% para 3.667 milhões de euros em 2016, somada ao progressivo desinvestimento do Estado português no setor (em 2014, os gastos públicos eram aqui 61% abaixo da média europeia ), torna pouco expectável a manutenção do atual nível de lançamentos de medicamentos e dispositivos inovadores no mercado. Mais, sendo os preços médios por unidade em Portugal dos mais baixos em toda a UE (0,18 vs. 0,24 euros), este custoso "status quo" tem impactos óbvios sobre os recursos disponíveis para uma aposta continuada em I&D, patentes, e capacidade industrial exportadora.
Sendo um setor exemplarmente inovador e gerador de emprego qualificado, particularmente o jovem, que proporciona consecutivas oportunidades de negócio para operadores nacionais e internacionais e que parece ser uma bandeira política "a jeito" e pronta a utilizar, continua refém das medidas extremistas impostas pela troika em 2011-12 e que conduziram, entre outros efeitos, (i) à forte redução das margens no mercado doméstico e a rentabilidades escassas, (ii) à passagem dos custos de licença das companhias internacionais para os licenciados nacionais, (iii) a uma progressiva iberização das operações dos "players" globais devido à queda em valor do mercado português e, acima de tudo, (iv) à perda de talento (ou "brain drain") e recursos humanos formados em Portugal.
A resiliência mencionada acima, associada às idiossincrasias próprias do país, como o clima, a cultura, a geografia ou a segurança, os novos projetos e as oportunidades de negócio vão prosseguindo nas suas várias vertentes, quer em medicamentos ou dispositivos médicos, quer em "e-health" ou na prestação de cuidados de saúde. Afinal, apesar de todas as vicissitudes, Portugal é hoje procurado por pacientes de todo o mundo, que aqui pretendem realizar intervenções específicas como cirurgias às cataratas, angioplastias coronárias, artoplastia da anca, colecistectomia, hérnia inguinal e femoral, artoplastia do joelho e prostatectomia.
Estes são alguns exemplos de uma realidade particularmente promissora, que pode conduzir a investimento estrangeiro "fresco" nas áreas do turismo de saúde, ao apoio e desenvolvimento de "start-ups" e projetos 100% portugueses (escaláveis e de matriz exportadora), mas também à instalação de laboratórios e centros de investigação e excelência internacionais em Portugal.
Porém, para que seja praticável esta singular aura de criação de valor económico e reputacional, com externalidades muito positivas para a economia como um todo, os nossos governantes devem, antes de mais, decidir se a saúde - e a indústria farmacêutica em particular - é apenas um fardo contabilístico ou, mais do que isso, um ativo estratégico e um desígnio para o país.
European Health Futures Forum, Membro do Advisory Board
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