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Investir nas farmacêuticas pode evitar novas pandemias

O desenvolvimento de tratamentos e vacinas para esta ou qualquer outra pandemia exige anos de investigação e testes, milhares de milhões em recursos humanos, técnicos e tecnológicos e, acima de tudo, clara e atempada vontade política.

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A pressão demográfica e as alterações climáticas, intensificadas nas últimas décadas, estão a aumentar dramaticamente os riscos de novas pandemias – nalguns casos, tão ou mais letais e desastrosas economicamente do que a covid-19. Por um lado, temos a invasão desenfreada dos habitats naturais pelos humanos (e respetivos comensais da urbanidade, como ratos, baratas, etc.), perturbando o equilíbrio sanitário entre espécies; por outro, temos o degelo do permafrost, que esconde realidades epidemiológicas para as quais nem a biologia humana, nem a investigação científica, estão de todo preparadas. A atual pandemia é mais um "alerta".

 

Nos últimos anos, por ação ou inação, "criámos a ‘uma tempestade perfeita’ para que as doenças comuns na vida selvagem se espalhem entre os seres humanos e rapidamente pelo mundo"(1). Convém relembrar que esta preocupação não é nova. Em 2015, já o magnata Bill Gates alertava que "nas próximas décadas, a possibilidade de morrerem 10 milhões de pessoas virá de um coronavírus e não de uma guerra"(2). E este é o eixo central de One Health, "abordagem colaborativa e transdisciplinar que reconhece que a saúde das pessoas está intimamente ligada à saúde dos animais e ao ambiente partilhado"(3). Mas, como os últimos meses têm demonstrado, entre o reconhecimento do problema e a sua resolução vai uma abissal distância.

 

Convém, desde já, relembrar que o desenvolvimento de tratamentos e vacinas para esta ou qualquer outra pandemia exige anos de investigação e testes, milhares de milhões em recursos humanos, técnicos e tecnológicos e, acima de tudo, clara e atempada vontade política. E se é verdade que uma diversidade de vetores de sustentabilidade tem crescido em importância nas preocupações de todos nós, o facto é que, em termos de saúde pública, pouco ou nada tem sido feito.

 

Bem pelo contrário. Antes da covid-19, eram muitos os apologistas dos cortes brutais na Saúde, no nosso SNS, e ninguém deu particular atenção aos sinais preocupantes da chegada de novas ou existentes doenças zoonóticas, como a raiva, infeções por salmonela, como o vírus do Nilo Ocidental, as febre Q, brucelose, doença de Lyme, tinha, ébola, ou as SARS-CoV (2002-2004) e a MERS-CoV (2012). Afinal, tudo acontecia seguramente longe. E, mesmo no início da atual pandemia, os alertas dos cientistas e as primeiras notícias de Wuhan foram minimizados ou mesmo ignorados.

 

Daqui para frente, convém centrarmo-nos numa partilha e num equilíbrio mais saudáveis dos ecossistemas. Continua a não existir um planeta B. E se, enquanto indivíduos, devemos demonstrar um ativismo crescente com os temas ambientais e também os sanitários (etiqueta respiratória, distância social, uso de máscara, vacinação ou uso de terapêuticas certificadas), enquanto atores económicos e políticos devemo-nos centrar no desenvolvimento de políticas ambientais e de saúde capazes de enfrentar os inúmeros desafios que temos pela frente.

 

Chegou também o tempo de os governos, em Portugal e no mundo, apostarem claramente nas suas indústrias farmacêuticas e potenciá-las sem reservas.

 

Tirando partido da sua capacidade instalada e profunda competitividade, Portugal tem aqui mais uma oportunidade de ouro para se posicionar no mundo, desempenhando um papel ativo e no pelotão da frente perante este novo normal. Contudo, para consegui-lo, reiteramos uma vez mais, é crucial afinar variáveis essenciais como o acesso a medicamentos, o apoio público à inovação e à exportação, a promoção de uma política adequada de preços e de uma relação saudável entre as tutelas da Economia e da Saúde. Continuar a arredar o Ministério da Economia destas questões é travar importantes benefícios para a saúde, para o país e para as empresas. Como se costuma dizer, "Só nos lembramos de Santa Bárbara quando troveja". Ora, já troveja. O momento é agora, não mais tarde.

 

(1)https://www.bbc.com/news/science-environment-52775386

 

(2)https://www.ted.com/talks/bill_gates_the_next_outbreak_we_re_not_ready#t-50468

 

(3)https://www.cdc.gov/onehealth/basics/index.html.

 

European Health Futures Forum, Membro do Advisory Board

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