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13 de Março de 2014 às 18:48

Saída à Portuguesa

Mas a limitação crucial da opção "cautelar" resulta da sua duração não poder exceder dois anos e 10% do PIB do país beneficiário. Para Portugal, isso é muito curto, suscitando a questão: o que acontece se houver uma deterioração do sentimento de mercado daqui a dois anos?

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O vácuo que passará a existir quando a Troika deixar de enviar as costumeiras tranches trimestrais em maio obriga a que o estado português defina uma nova estratégia de financiamento. Em cima da mesa estão duas alternativas: saída "limpa" (à irlandesa) versus recurso a uma linha de crédito cautelar do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE).

 

A perceção generalizada é a de que o programa cautelar tem a seu favor uma condicionalidade associada que garante que Portugal não se desvia do trilho da probidade orçamental nem abandona o ímpeto reformista. Acresce um argumento centrado no custo do financiamento, cedido em termos mais amistosos pelos parceiros europeus do que pelos investidores. Estas vantagens tangíveis contrastam com os benefícios alegadamente mais difusos e politizados oferecidos pela saída "limpa". Assim postas as coisas, decorre naturalmente a superioridade da primeira opção face à segunda. Tal conclusão é, contudo, errónea.

 

A recauchutagem de que foi alvo o edifício europeu de supervisão macroeconómica nos últimos quatro anos e que se consubstanciou no reforço do velhinho (e pouco respeitado) PEC pelo tratado orçamental implica que a política económica dos Estados-membros da UEM estará doravante sujeita ao "lápis azul" dos burocratas de Bruxelas. Adicionalmente, em Portugal, como na Irlanda, a dívida à Troika requer a manutenção de inspeções regulares de vigilância. Em síntese, dificilmente um programa cautelar acrescentaria rigor ao processo de formulação das políticas económicas além daquele que é já naturalmente exigido.

 

O argumento do custo é mais robusto, mas não muito. É verdade que a taxa de juro cobrada pelo MEE seria inferior ao exigido pelos mercados financeiros para prazos equivalentes, mas esse diferencial é hoje bem menos relevante do que outrora. Por outro lado, enquanto o tesouro português se financia a taxa de juro fixa, os empréstimos do MEE são a taxa variável, o que implica um risco significativo de agravamento do custo futuro do serviço de dívida, dado o nível ultra reduzido das taxas de juro hoje. Finalmente, o atual momento favorável de mercado permite replicar os baixos custos de financiamento que se obteriam com um programa cautelar, bastando para tal que o Estado emitisse obrigações do tesouro de prazos inferiores a três anos, para os quais as taxas de juro inferiores a 2%. Esta estratégia possibilitaria ganhar tempo até que a situação financeira do país se definisse.

 

Do exposto conclui-se que, perante a ausência de benefícios materiais do programa "cautelar", parece não haver muito a separar as duas alternativas. Contudo, assim não é. Em primeiro lugar, o uso de recursos financeiros pan-europeus encerra o risco de uma reação política adversa por parte das hostes mais conservadoras do "centro", potencialmente minando a eficácia futura do MEE, com consequências dramáticas para toda a área do euro. Mas a limitação crucial da opção "cautelar" resulta da sua duração não poder exceder dois anos e 10% do PIB do país beneficiário. Para Portugal, isso é muito curto, suscitando a questão: o que acontece se houver uma deterioração do sentimento de mercado daqui a dois anos? Por todas estas razões, o uso que se faça deste instrumento de último recurso deva ser… isso mesmo: de último recurso. E isto conduz-nos à razão pela qual a saída "limpa" é superior: permite guardar o "trunfo" do "cautelar" para uma altura de maior precisão. Esta prerrogativa tem um valor imenso, sabendo nós quão volúvel é o sentimento - agora muito positivo - dos investidores face ao destino de Portugal.

 

Conceptualmente existe uma terceira via que faz uso da opção "cautelar" sem nunca a utilizar. Consistiria, por exemplo, em pré-acordar com os parceiros europeus um "caderno de encargos" que possibilitasse a ativação imediata de um programa cautelar em caso de necessidade, sendo que até à ocorrência dessa eventualidade o financiamento seria satisfeito em mercado. A garantia de acesso a fundos do MEE de forma permanente e automática - isto é, sem necessidade de negociações adicionais - reduziria o risco de incumprimento do Estado português, o que certamente seria retribuído com uma maior benevolência dos investidores. Esta variante sugere que o governo não está limitado a uma escolha dicotómica entre um programa cautelar ou uma saída à irlandesa. Pode optar por uma via diferente… à portuguesa.

 

Chief economist do Millenniumbcp

 

Artigo de opinião escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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