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09 de Fevereiro de 2021 às 09:40

Relançamento e reforma da economia – (IV)

A crise actual, pela sua crueldade, pela dimensão transversal à União Europeia e pela brutalidade do choque pandémico sobre as economias, está a intensificar os efeitos dos problemas que a resposta à crise financeira não resolveu

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1. A crise financeira de 2007/8 mostrou as fragilidades da arquitectura institucional e jurídico-regulamentar que suportou o lançamento do euro. Em particular, a ausência de um mecanismo de estabilização e de apoio ao relançamento da actividade económica e ao crescimento na área do euro, a fragilidade e a vulnerabilidade dos mercados bancários europeus a choques sistémicos e, sobretudo, a contradição insanável do princípio consagrado em Maastricht – “no exit, no bail-out(*).

A resposta da Europa a esta crise é bem conhecida: programas de austeridade; implantação parcial de uma União Bancária; intervenção do BCE com uma política monetária não convencional que ainda hoje mantém. Resposta que, pelos seus efeitos, pôs em causa a percepção de que o projecto europeu era sustentado por princípios de solidariedade – em contraposição aos nacionalismos que, na primeira metade do século passado, haviam arrastado a Europa para dois trágicos e sangrentos conflitos.

A crise actual, pela sua crueldade, pela dimensão transversal à União Europeia e pela brutalidade do choque pandémico sobre as economias, está a intensificar os efeitos dos problemas que a resposta à crise financeira não resolveu e de que são exemplos: os níveis excessivos de endividamento das economias mais frágeis; a fragmentação do espaço económico do euro; a ineficácia da intermediação financeira quando se trata de financiar o investimento e a inovação.

Desta vez, a Europa do euro compreendeu os riscos – económicos, sociais e políticos – que ameaçavam o projecto europeu e procurou responder-lhes com uma rapidez não usual. Resposta que partiu da Comissão Europeia, com três iniciativas de grande significado e impacto: suspendeu o quadro que condiciona as políticas orçamentais na Zona Euro; fez aprovar um programa de apoio financeiro inovador pela dimensão e pelas fontes de financiamento; por fim, a Comissão assumiu a responsabilidade de centralizar todo o programa de aquisição e de distribuição das vacinas anticovid.

2. Deste modo, a Comissão Europeia – que na resposta à crise financeira se deixou remeter para um papel secundário – colocou-se no centro da resposta à crise pandémica, com resultados mistos que, por um lado, fizeram brilhar de novo as virtudes do projecto europeu e, por outro, revelaram os bloqueamentos que continuam a travar o seu avanço.

Com as suas iniciativas, a Comissão Europeia deu de facto um importante contributo para atenuar ressentimentos deixados pela resposta à crise financeira e para reavivar a ideia de que o projecto europeu era impulsionado por princípios de solidariedade. Por um lado, o programa de ajudas representa uma “janela de oportunidade” para relançar um movimento de convergência e de modernização, cruciais para as economias devedoras mais frágeis. Por outro, a centralização do programa de vacinação reforçou a coordenação europeia numa questão crítica e evitou tensões nacionalistas que, a emergirem no actual contexto, seriam uma ameaça para a frágil coesão da Zona Euro.

No entanto, os resultados das iniciativas da Comissão estão a ser postos em causa pelas contradições e pelos riscos que continuam presentes na União Europeia. Enquanto a suspensão das regras que enquadram as políticas orçamentais criaram uma situação de ambiguidade – com consequências que abordei no artigo anterior e a que me proponho voltar – o programa de apoio financeiro está a percorrer o habitual “calvário” político e burocrático, indiferente à gravidade excepcional da situação das economias mais atingidas pelo choque pandémico.

Acresce que o processo centralizado de aquisição das vacinas está, por sua vez, a ser vítima dos estrangulamentos técnico-burocráticos e administrativos tradicionais, apesar da urgência da resposta à pandemia. Como resultado, a União Europeia deixou-se ultrapassar nesta questão crítica, situação que – se não for corrigida em tempo útil – não deixará de ter sérias implicações políticas e de minar a imagem e os ganhos de credibilidade que a Comissão Europeia tinha conseguido com as suas iniciativas e propostas (a continuar). 

(*)“nem saída, nem ajuda em situação de insolvência”

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

 

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