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Prevenção dos riscos profissionais: uma questão política

Tal como fez em resposta à tragédia dos incêndios florestais, é preciso que o Governo dê um sinal político de que, também no campo dos riscos profissionais, o caminho certo é o da prevenção.

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As tragédias ocorridas nos últimos meses em matéria de incêndios florestais – e a perda de vidas humanas que causaram e a devastação económica e social que provocaram – colocaram na agenda política e no radar mediático a questão da prevenção vs. combate aos incêndios, que é como quem diz, a questão de saber qual deve ser a prioridade política, quais devem ser os correspondentes mecanismos de articulação, como devem ser estruturados os seus níveis de comando e como devem actuar as correspondentes estruturas operacionais. E, claro, como devem ser distribuídos e com que critério devem ser alocados os indispensáveis meios financeiros.

 

Esta temática da prevenção vs. combate (aos incêndios florestais) constitui apenas uma ponta de uma problemática bastante mais ampla relacionada com o debate à volta da dicotomia entre políticas preventivas e políticas repressivas e o qual tem lugar em vários domínios da governação, tais como a justiça, a fiscalidade, a saúde, a segurança rodoviária e a segurança e saúde do trabalho. E é exactamente esta última área que ora nos interessa.

 

 A melhoria das condições de trabalho, a salvaguarda da integridade física e moral do trabalhador e a promoção da sua saúde constituem deveres de primeira linha das empresas no quadro de um sistema geral de prevenção dos riscos profissionais no qual o Estado e, em especial, a Administração do Trabalho têm particulares responsabilidades. A humanização do trabalho não é inimiga, pelo contrário, do desenvolvimento económico e a produtividade associada à permanente melhoria qualitativa das condições de trabalho é determinante no espectro mais largo da competitividade empresarial, da criação de riqueza e do crescimento económico.

 

Mas, tal como fez em resposta à tragédia dos incêndios florestais, é preciso que o Governo dê um sinal político de que, também no campo dos riscos profissionais, o caminho certo é o da prevenção.

 

[Por más e infelizes razões], estão reunidas as condições políticas para que a área da prevenção dos riscos profissionais não continue subalternizada face à inspecção/fiscalização na esfera da Administração do Trabalho nem se mantenha como uma realidade de segunda linha na acção política de sucessivos governos do país. Se queremos – como todos queremos, com toda a certeza, e a começar pelos trabalhadores e pelas empresas, pelos sindicatos e pelas associações empresariais – reforçar o combate aos acidentes de trabalho e às doenças profissionais, se queremos que a prevenção dos riscos profissionais seja um elemento estruturante de uma política laboral assente na pessoa do trabalhador e no princípio do trabalho digno, se queremos que a segurança e a saúde do trabalho consubstancie uma aposta empresarial capaz de gerar ganhos económicos, então o Governo deve tomar a iniciativa política de reestruturar a área da prevenção dos riscos profissionais/promoção da segurança e saúde do trabalho no quadro da Administração do Trabalho de modo a conferir-lhe autonomia de gestão e capacidade operacional na economia e no mercado de trabalho. Só com uma segregação orgânica face à inspecção do trabalho, só com recursos humanos, técnicos e financeiros próprios e só com capacidade para gerir e organizar esses mesmos recursos é que o domínio da prevenção dos riscos profissionais estará apto a executar, em articulação com os outros agentes, uma política pública de promoção da segurança e saúde do trabalho que valorize o trabalhador e a empresa e que dimensione a vertente ético-social do trabalho ao mesmo tempo que escale a sua vertente económica e de mercado.

 

(Os incêndios florestais em Portugal causaram este ano 109 mortos. No ano passado, morreram em Portugal 140 trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho. Julgo que os números ajudam a compreender porque digo que "estão reunidas as condições políticas para que a área da prevenção dos riscos profissionais não continue subalternizada face à inspecção/fiscalização")

 

Professor Coordenador do ISEC Lisboa – Instituto Superior de Educação e Ciências

Presidente do Instituto para a Segurança Higiene e Saúde do Trabalho (2004-2007)

Presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional (2013-2016)

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