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09 de Fevereiro de 2015 às 20:41

Pobreza, oportunidades e PIB potencial futuro

Os dados do inquérito às condições de vida e rendimento de 2013 do INE revelam um aumento do número de pessoas abaixo do limiar de pobreza, um aumento da intensidade da pobreza e um reforço importante da desigualdade.

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Este relatório revela também que a taxa de privação material cresceu e que hoje há mais pessoas em risco de exclusão social e mais crianças em risco de pobreza.

 

Neste artigo discuto o que é que isso revela sobre o ajustamento seguido em Portugal e como é que estes números se articulam com as alterações feitas na política de combate à pobreza extrema. Discuto ainda o impacto que o aumento da pobreza e da sua intensidade vão ter no crescimento económico futuro do nosso país.

 

1.- Os números divulgados pelo INE desmentem por completo a tese de que o ajustamento seguido em Portugal poupou mais os mais pobres. O número de pessoas abaixo do limiar de pobreza cresceu e voltou a ultrapassar os 2 milhões de portugueses. O rendimento dos que são considerados pobres é também hoje mais baixo (o rendimento do limiar de pobreza é hoje 5% mais baixo do que em 2009). O aumento da desigualdade mostra que a diferença de rendimento entre os mais ricos e os mais pobres aumentou, o que significa que a diminuição de rendimentos foi proporcionalmente maior nos mais pobres. Em 2010, os 10% mais ricos tinham um rendimento 9 vezes superior aos 10% mais pobres, em 2013 este valor subiu para 11 vezes.

 

2. - O relatório revela também uma degradação das condições de vida dos mais pobres. Estes não só são mais como estão em pior situação. A taxa de intensidade da pobreza, que mede em termos percentuais a insuficiência de recursos da população em risco de pobreza, foi de 30,3% em 2013, registando-se um agravamento de 2,9 p.p. face ao défice de recursos registado em 2012, e de 7,1 p.p. face a 2010.

 

Esta evolução pode, em muitos casos, estar ligada à persistência de condições de pobreza extrema mais prolongadas, mas está certamente também associada à diminuição de apoios sociais, em particular dos apoios sociais direccionados ao combate da pobreza extrema.

 

O actual Governo reduziu fortemente os apoios directos à pobreza. O número de beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI) caiu 40% face aos valores de 2010, um corte muito superior ao registado nas despesas correntes. O número de pessoas abaixo do limiar de pobreza aumentou 170 mil, o número de beneficiários do RSI diminuiu mais de 200 mil.

 

É importante referir que as contribuições do RSI não são suficientes para retirar os seus beneficiários da pobreza, mas contribuem para que as pessoas em situações de pobreza mais extrema possam ter acesso a um mínimo de sobrevivência, que lhes permita alimentar-se, colocar os filhos na escola. Hoje só 16% das pessoas abaixo do limiar de pobreza têm acesso ao RSI, em 2010, eram quase 30%, e Portugal gastava cerca de 0,4% do PIB com estes apoios - menos de 1% da despesa pública.

 

3. Um dos dados mais preocupantes deste relatório do INE é o que refere que o aumento da pobreza foi particularmente acentuado nas famílias com filhos. O risco de pobreza entre as crianças aumentou 3 pontos percentuais desde 2010, e é mais de 25% superior ao da população em geral.

 

No debate português, poucas vezes se liga a política de combate à pobreza ao crescimento económico. O combate à pobreza e o apoio aos mais desfavorecidos são vistos principalmente na óptica da solidariedade. Tal não é errado e reflecte um consenso em torno de valores humanistas importante para a coesão social.

 

No entanto, quando pensamos em termos de longo prazo devemos também ter em conta que as políticas de combate à pobreza de hoje podem ter importantes impactos nas oportunidades que uma parte importante da população vai ter, e no contributo social que estas pessoas vão dar no futuro. 

 

Num país em que 25,6% dos menores de 17 anos vivem em famílias abaixo do limiar de pobreza, a diminuição de apoios a estas famílias, e a maior dificuldade de acesso a apoios sociais pode comprometer as oportunidades de uma parte muito considerável da população, de ter condições para se alimentar, crescer com saúde, estudar, integrar-se socialmente, e conseguir assim sair da condição de pobreza em que nasceu.

 

Num contexto de diminuição da população, Portugal não se pode dar ao luxo de desperdiçar uma parte importante do potencial humano de 25,6% de uma geração.  Nestes 25% de jovens estão 25% dos nossos potenciais melhores médicos, músicos, engenheiros e economistas. Mas também podem estar muitos jovens a quem nunca será dada uma oportunidade de realizar o seu potencial, e que daqui a 15 ou 20 anos serão mais um problema para a sociedade, do que cidadãos a contribuir para fazer avançar o nosso país. A falta de empenho no combate à pobreza de hoje hipoteca não só o futuro destes jovens, mas o de todo o país.

 

Professor no departamento de Economia da Universidade do Minho

 

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