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O "pragmatismo" dos Estados Unidos

Continuam a existir subsídios aos combustíveis fósseis em muitos países do mundo. Apesar de quase todos os dias aparecerem provas de que corremos para um desastre ambiental, se não se interromper o modo de produção actual, consumista e de não-descarbonização.

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É possível que eu tenha sido nomeado para a Direcção-Geral de Energia da Comissão Europeia, em Bruxelas, onde cheguei em Janeiro de 1989, por ter trabalhado na indústria automóvel em Portugal durante 18 anos. De finais de 1970 a meados de 1980 na General Motors; de Maio desse ano a Dezembro de 1988 na Renault Portuguesa. Que me permitiu conhecer Portugal de uma ponta a outra, assim como as empresas do sector, pequenas e médias, e aquelas duas multinacionais, com filosofias bastante diferentes. Na Comissão Europeia, na qual fui funcionário efectivo até Agosto de 2002, fiquei encarregado, nos primeiros meses, de dar seguimento a um programa de subsídios aos Estados-membros no sector energético, que tinha começado algum tempo depois do choque petrolífero de 1973, resultante do aumento do preço do barril de cerca de três de dólares para quatro vezes mais, chegando em breve aos 20 e 30 dólares. Com um impacto enorme nas economias europeias e americana, para mim insuspeitado porque Portugal, com o seu clima ameno, estava muito menos dependente da energia. Entretanto, deram-se os primeiros desenvolvimentos que iriam provocar o fim da guerra fria e houve uma reorganização na qual fui integrado na Direcção de Política Energética. Onde chegámos a receber durante o ano de 1990 representantes da União Soviética, que vinham a Bruxelas tratar da importante questão da falta de segurança das centrais nucleares de fabrico soviético, que existiam na Checoslováquia e na Bulgária, fazendo fronteira com alguns Estados-membros. Estava-se apenas a quatro anos do desastre de Chernobil. E a Comissão propunha-se dar assistência técnica àqueles países. Mas esses curtos meses deram para verificar que mesmo grandes multinacionais como a Shell ou a BP introduziam projectos para ajuda das instituições europeias que eram diferidos, apesar de já se terem passado duas décadas sobre o referido choque petrolífero. Porém, o mais grave, como assinalou Al Gore na recente visita ao Porto, é que continuam a existir subsídios aos combustíveis fósseis em muitos países do mundo. Apesar de quase todos os dias aparecerem provas de que corremos para um desastre ambiental, se não se interromper o modo de produção actual, consumista e de não-descarbonização, incentivado pelos potentados que vivem da exploração dos combustíveis fósseis, onde à cabeça estão os Estados Unidos. Que saíram dos Acordos de Paris, apesar de todas as evidências. Mas há quem chame de "pragmático" este comportamento dos americanos, que também não querem saber das consequências ambientais da exploração do gás de xisto, ou dos organismos geneticamente modificados, utilizados na agricultura pelas grandes multinacionais americanas. Como há alguns anos queriam introduzir na Europa a carne com hormonas.

 

Se há ainda algo de bom na União Europeia é algum controlo das actividades referidas, que serve também de alerta para outros blocos de países em vários continentes. Refira-se que a China, como segundo maior poluidor do mundo, depois dos EUA, tem-se mostrado muito mais responsável, investindo importantes somas nas energias renováveis, fazendo há quase duas décadas experiências-piloto de construção de cidades ambientalmente sustentáveis, como também os países escandinavos. Por isso, os exemplos que devem ser seguidos são os dos países que conduzem as suas políticas de modo a satisfazerem os interesses das populações e do ambiente e não os daqueles que inovam apenas com o objectivo de dar mais lucros às empresas multinacionais. Que só aparentemente são independentes dos governos. Um exemplo recente é o das restrições que os Estados Unidos estão a aplicar à Huawei e pretendem obrigar os países da Europa também a fazê-lo. Como se não se soubesse que as GAFA, Google, Apple, Facebook, Amazon, estão ao serviço do Governo americano na sua pretensão de espiar todas as comunicações electrónicas em todo o mundo, como foi descoberto há poucos anos.

 

Investigador em Relações Internacionais 

 

Artigo está em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

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