Opinião
O novo algoritmo
Podemos seguir, se o quisermos, o modelo da Felicidade Interna Bruta - FIB, que se deve basear no princípio de que o verdadeiro desenvolvimento de uma sociedade humana se dá quando o desenvolvimento espiritual e material sucedem lado a lado.
O The Economist ao longo dos últimos três anos tem feito um debate interessante sobre o capitalismo, liberalismo, felicidade, PIB e as novas ciências humanas, onde não está objetivamente inserida a gestão da felicidade, mas a base do modelo estrutural atual, da qual faço uma resenha das ideias que retirei de vários autores.
E para nos situar no tempo, lembro que o capitalismo sofreu uma série de golpes na sua reputação na última década. Só para dar um exemplo, em 2016, uma sondagem atestou que mais da metade dos jovens americanos não apoia o capitalismo. Essa "perda de fé" é perigosa, mas também é uma realidade e uma evidência.
As coisas estão a mudar na base social e as instituições estão a perder o foco.
O capitalismo de hoje tem um dilema real, mas não aquele problema sobre o qual os chamados ultraconservadores e populistas gostam de falar. A vida tornou-se confortável demais para algumas empresas na "velha economia", enquanto, na "nova economia", as empresas de tecnologia rapidamente construíram um poder quase absoluto e reverencial de mercado. Veja-se que no primeiro impacto do pós-covid19 as tecnológicas não param de bater recordes no NASDAQ.
Mas também podemos alinhar noutro diapasão: A expectativa de vida global nos últimos 200 anos aumentou de 30 anos para mais de 70. A parcela de pessoas que vivem abaixo do limiar da pobreza caiu de cerca de 80% para 8% e o número absoluto diminuiu pela metade. O total de habitantes acima dele aumentou de cerca de 100 milhões para mais de 6,5 mil milhões de pessoas e as taxas de alfabetização aumentaram mais de cinco vezes, para acima de 80%. Os direitos civis e o Estado de Direito são incomparavelmente mais robustos do que eram apenas algumas décadas atrás.
Em muitos países, os indivíduos estão agora livres para escolher como querem viver - e com quem. Este não é todo o trabalho da base do capitalismo e do processo liberal, obviamente. Mas tal como o fascismo e o comunismo falharam ao longo dos séculos XIX e XX, as sociedades liberais prosperaram. De uma maneira ou de outra, a democracia liberal passou a dominar o Ocidente e a partir daí começou a espalhar-se pelo mundo.
A democracia enfrenta um desafio difícil. A economia deve ser libertada do crescente poder dos monopólios e das restrições que impedem as pessoas de sair das cidades mais prósperas. Porque vão empobrecer. Esta será também uma discussão interessante no pós-covid19. Os liberais afirmam que as sociedades podem mudar gradualmente para melhor e também de baixo para cima. Eles afastam-se dos revolucionários porque rejeitam a ideia de que as pessoas devem ser compelidas a aceitar as crenças de outras. Esta forma de atuar marcou muito o século XX. Impor crenças e aceitar essas escolhas.
Os liberais diferem ainda dos conservadores porque afirmam que a aristocracia e a hierarquia- em suma todas as concentrações de poder – tendem a tornar-se fontes de opressão.
O capitalismo liberal do século XIX em que assenta a base da nossa cultura começou assim como uma visão do mundo inquieta e agitada.
Diria até que, em nome da eficiência e da liberdade económica, os governos abriram os mercados à concorrência, e raça género e sexualidade nunca foram uma barreira para o progresso. E até são apanágio de algumas políticas de democracias chamadas modernas. Mas totalmente alienada no mundo da construção da economia politica.
A globalização ergueu da pobreza centenas de milhões de pessoas em mercados emergentes. As 50 maiores áreas urbanas incluem 7% da população do mundo e estas produzem 40% do PIB. E é aqui que o poder das políticas da felicidade pode atuar de forma objetiva.
Mas no meio da evolução do capitalismo, articulado no socialismo, social-democracia, liberalismo ou conservadorismo os políticos esqueceram que a sua ideia fundadora é o respeito cívico por todos e o interesse comum. Esta é a base da democracia. E qual é agora o interesse comum?
As pessoas, perante a luta ideológica assente em conceitos com os quais já não se identificam, partiram para outras escolhas: identidades de grupo definidas por raça, religião ou sexualidade. Como resultado, esse segundo princípio, o interesse comum, fragmentou-se. E é aqui que vejo que a política da economia da felicidade deve fazer o seu caminho. Ser o interesse comum que se perdeu.
A porta da política de identidade é uma resposta válida à discriminação, mas à medida que as identidades se multiplicam nas grandes cidades, a política de cada grupo colide com a política de todo o resto. O debate é pois um exercício de indignação tribal, como muito bem discutiram os editores do The Economist no final do ano passado.
Os líderes à direita, em particular, exploram a insegurança gerada pela imigração como uma maneira de aumentar o apoio. E eles usam argumentos convictos da esquerda sobre correção política para alimentar o sentimento de desprezo dos eleitores. O resultado é assim claro: polarização. Às vezes isso leva à paralisia, às vezes à tirania da maioria. Na pior das hipóteses, encoraja as chamadas "extremas-direitas". E aqui volto ao princípio: Se a felicidade é mensurável, não tem medido bem esta realidade tribal de maneira consistente. E devia medir.
Existe pois uma busca social mas também há a procura espiritual. As duas andam de mãos dadas. Sem a dimensão social e identitária caímos no fanatismo político e religioso que poderá proliferar pela disseminação do medo. Mas, sem a dimensão espiritual, caímos no pessimismo e na falta de sentido da vida. Tenho para mim que é importante voltarmos a ser indígenas num mundo novo, num imperativo da busca pela segurança e a felicidade. Podemos seguir, se o quisermos, o modelo da Felicidade Interna Bruta - FIB, que se deve basear no princípio de que o verdadeiro desenvolvimento de uma sociedade humana se dá quando o desenvolvimento espiritual e material sucedem lado a lado, complementando e reforçando-se um ao outro e o mesmo ritual deverá aplicado as empresas e as organizações.
O contrato social e as normas geopolíticas que sustentam as democracias e a ordem mundial que as ampara não foram construídas para este século, como já vimos. Por isso geografia e tecnologia estão a produzir novas concentrações de poder. E sem crenças não as devemos aceitar de mão beijada.
O século XXI trouxe alguns desafios nunca vistos antes, as mudanças climáticas mais óbvias e mais preocupantes, mas também as perspetivas de novas tecnologias intrusivas. Mas a desigualdade de oportunidade e o descontentamento que geram não são novidade. Veja-se as atuais revoltas nos Estados Unidos ou no Brasil, para dar dois exemplos.
As nossas sociedades estão a mudar a partir de baixo, na sua base. Ainda vão levar tempo a chegar ao topo. E é nesse quadro que observo que o mundo pode assentar em quatro pilares estruturais:
1) Promoção de um modelo de desenvolvimento socioeconómico sustentável e igualitário dentro das novas identidades sociais.
2) Preservar a promoção dos valores culturais, educacionais dos povos baseados na liberdade e na livre escolha sem interferência da infraestrutura tecnológica.
3) Conservar o meio ambiente natural e proteger as espécies.
4) Estabelecimento de uma boa governança baseada na interação entre o modelo do FIB com o PIB.
Em suma, um novo algoritmo que permita o equilíbrio, na Terra como na nuvem.
Ex-jornalista