Opinião
Da era da velocidade à era da felicidade
África, por seu lado, é um continente sem controlo, sem chance para se defender de uma pandemia. Fará o que Boris Johnson quis fazer em Inglaterra – não por vontade própria – mas por falta de meios: a imunidade de grupo.
Que lições se vão retirar desta crise do novo coronavírus? E é mesmo de uma crise que se trata? Na verdadeira aceção da palavra, na verdade não. É sim, em primeiro lugar, uma alteração radical do modelo de desenvolvimento, social e económico, em que vivemos. É aquilo que a revista The Economist tem antecipado desde há dois anos: o fim do capitalismo, em especial do modelo liberal, tal como o conhecemos. Uma profunda alteração de modelo económico, tão importante como foi o marxismo ou keynesianismo, mas que marcará com certeza uma rutura com a escola de Chicago e os monetaristas. E o que nascerá a partir daqui? Já não é uma pergunta de um milhão de dólares.
Como é estilhaçado aos nossos olhos, a Europa com o seu sistema de “wellfare state” não estava preparada para a covid-19. Nem pouco, nem mais, nem menos. A pandemia, na melhor das hipóteses, estará refreada em julho. Na melhor das hipóteses. Mas, até lá, África e América do Sul entrarão em profundo colapso humanitário e económico. E a Europa fechará as suas fronteiras. Entre si e com os outros.
Se juntarmos os Estados Unidos, que como nós europeus têm uma população também envelhecida e com uma enorme classe média, temos um problema acrescido.
Com efeito, os EUA podem desabar no médio prazo porque o seu sistema de saúde está morto. Só serve os ricos e os que têm seguro de saúde. Já não tem utilidade num mundo envelhecido e doente. Não tenham dúvidas de que Trump quererá vingar-se politicamente dos chineses acusando-os de quererem dominar, pelo vírus, a economia mundial. Uma estupidez sem limites. Entraremos então numa espiral. E, para combater isso, os bons velhos Homens e espíritos da Europa, a velha democracia terá de despertar. E rapidamente.
África, por seu lado, é um continente sem controlo, sem chance para se defender de uma pandemia. Fará o que Boris Johnson quis fazer em Inglaterra – não por vontade própria – mas por falta de meios: a imunidade de grupo. Só sairá do círculo vicioso com a vacina e até lá será fechada ao mundo. Ficará isolada. Trump fechará os olhos porque estará numa crise sem precedentes enquanto a Europa estará a ver morrer os seus velhos e a limpar as feridas e a repensar o modelo europeu.
Este vírus é um incêndio. Pode ter focos de reacendimento. E aqui entram o medo e o pânico. Contra isso é fundamental acreditar que daqui nascerá um mundo novo. E que – quando assim o pudermos – temos de voltar a sair à rua como no 25 de abril e no 1.º de maio. Como fizeram os nossos avós e bisavós, os nossos antepassados: lutar por um mundo melhor. E construir o nosso modelo de país e uma nova visão. Para tal, não podemos perder a dimensão espiritual desta crise. E devemos ter o olhar da águia, que lá de cima vê o todo, abarcando tudo de forma mais ampla.
Existe uma busca social nesta crise, mas existe também a procura espiritual. As duas andam de mãos dadas. Sem a dimensão social, caímos no fanatismo político e religioso que poderá proliferar pela disseminação do medo. Mas, sem a dimensão espiritual, caímos no pessimismo e na falta de sentido da vida. Em boa verdade, fomos preparados para atravessar esta crise. Temos de voltar a aprender a ser resilientes. E reconstruir das cinzas do vírus um Portugal melhor. Sem política de extremos. Voltaremos a ser indígenas num mundo novo, num imperativo da busca pela segurança e a felicidade. Podemos seguir, se o quisermos, o modelo da Felicidade Interna Bruta – FIB, que se baseia no princípio de que o verdadeiro desenvolvimento de uma sociedade humana se dá quando o desenvolvimento espiritual e o material sucedem lado a lado, complementando e reforçando-se um ao outro.